Os punhos cerrados e o ódio acelerado recomendam aos
contemporâneos dos fatos a razão do tempo até que o equilíbrio se restabeleça e
as pessoas possam viver sem sangrar rotineiramente. Quem leu o recente livro
Marighella o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, escrito pelo jornalista Mário
Magalhães há de perceber quanto os meios de comunicação são meros estímulos a
punhos e ódios. Marighella em 35 é pintado com todas as humilhações pela
redação a serviço das elites e do regime e em 45 como herói contra a ditadura.
Bastava que se pensasse um pouco mais para compreender a razão pela qual em 27
de Agosto de 1947 o Supremo Tribunal Federal negou a extradição de um
estrangeiro casado com uma brasileira, pois esta estava grávida e esse mesmo
STF onze anos antes, em 21 de março de 1936 expulsou Olga Benário do País,
recusando-se a testar seu estado de gravidez e permitindo que o Governo
brasileiro a entregasse ao governo Nazista que a assassinou tão logo a filha
nasceu.
O Supremo Tribunal Federal com um provável parecer jurídico
do famoso jurista Clóvis Bevilácqua, consultor Jurídico do Itamaraty aposentado
– natural de Viçosa do Ceará e filho do Padre José Beviláqua e Martiniana Maria
– votou pela expulsão de Olga Benário com o seguinte acórdão: A Corte Suprema,
indeferindo não somente a requisição dos autos do respectivo processo
administrativo, como também o comparecimento da paciente e bem a assim a
perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de alta gravidez. E
desse modo sem ao menos permitir que uma junta médica atestasse a gravidez de
Olga os Excelentíssimos Senhores Juízes do Supremos Tribunal Federal assinaram
contra o impedimento e, portanto, pela permissão da expulsão de Olga o Edmundo
Pereira Lins pela Presidência e Bento de Faria o Relator. Votaram a favor:
Hermenegildo de Barros (Vice-Presidência), Plínio Casado, Laudo de Camargo,
Costa Manso, Octávio Kelly, Ataulfo de Paiva, Carlos Maximiliano, Carvalho
Mourão e Eduardo Espínola. Unânimes num crime histórico.
Uma ressalva: já estamos falando aí nas decisões finais,
pois analisamos um requerimento da ré, Olga Benário, detida na Casa de
Detenção, impetrada pelo seu Advogado Heitor Lima. A biografia de todos os
envolvidos vem ao caso, especialmente dos Membros do Supremo Tribunal Federal,
uma vez que não são meros agentes da política, mas instituições dos poderes do
Estado. O Presidente que assina a permissão da expulsão o relator Bento de
Faria era um burocrata do direito nomeado para STF pelo autoritário Artur
Bernardes que governou quase inteiramente em Estado do Sítio.
Apenas para lembrar a citação de um dos ministros que
votaram por entregar Olga para um Campo de Concentração Nazista: “Toda lei é obra humana e aplicada por
homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados
práticos, se não verificarem com esmero, o sentido e o alcance de suas
prescrições”. E nisso vem a nossa perplexidade: como alguém pode pensar e
não perceber o que fazia naquele ato? É que a tecnicidade a que muitos chamam
de mérito é um instrumento contaminado a serviço do poder. Especialmente o
poder discricionário. Quando a vida econômica é luxuosa, os mídias adulam e
estimulam a vaidade no extremo da idiotice, a tecnicidade de um Celso de Mello
é manjar do Olimpo.
A verdade é que a Olga, não se pode negar o desconhecimento
dos Ministros daqueles momentos de atrocidades humanas, pois não ocorriam apenas
no além mar, mas ali perto, alguns quarteirões entre o Supremo na Avenida Rio
Branco e o Quartel da Polícia no Morro de Santo Antonio. Olga não era um
monstro, fora enviada por demanda da Polícia Política Alemã e em sua
correspondência com Prestes desde o Campo de Concentração onde afinal teve a filha
o foi assassinada escreveu após a filha lhe ter sido retirada: Desde que Anita me deixou, mantenho todos os
dias longas, longas conversas contigo. Que possa vir o dia em que estejamos
novamente juntos! Abraço-te de todo o coração. Tua Olga.
Por isso mesmo estes arrufos tomando por base o Supremo com
uma verdade última mostra-se mesmo uma vingança de punhos e ódios, sobretudo.
Aliás, hoje vou marcar a frase da Presidenta Dilma para o Jornal El Pais sobre
o julgamento do Mensalão afirmando que
como Presidenta da República não poderia se manifestar sobre decisões da
Suprema Corte e completou: “Acato suas sentenças. Não as discuto. O que não significa que ninguém nesse mundo
de Deus está por cima dos erros e das paixões humanas.” (O grifo é meu).
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