TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Santíssima Trindade - José do Vale Pinheiro Feitosa

- O homem porque o homem é muito feroz. O homem é feroz. O homem é mais feroz do que os outros animais. O homem é capaz de tudo. O homem destrói outro ser humano. O homem não tem medo de nada não. Só a Deus.

- Mas você acha que ele teme a Deus?

- Rapaz tem uns que temem. Pelo menos eu temo.

- Mas não tem uns cabras que fazem uns negócios tão errados que parecem que não temem nada?

- A maioria não é Mudinho?

- A maioria é contra Deus, mas Deus não é assim não. Tem que temer a Deus.

- Mas me convença disso! Dê um argumento forte!

- É porque Deus tem poder e nós não temos poder. Deus é quem dá o poder a nós. Nós tem coragem. Nós somos corajosos. Mas não temos poder.

- E o que é o poder?

- O poder sabe o que é que é: a gente carrega dentro de si. Porque a gente tem aquele poder em Deus. Tem aquela certeza que Deus comanda nós.

- Então você quer dizer que o poder é a certeza?

- É a certeza.
(entrevista com Raimundo Castro dos Santos – Mudinho – pescador de Paracuru)

Sobre a grande dificuldade de Agostinho decifrar o mistério da Santíssima Trindade. São três Deuses distintos e Um só verdadeiro. Mistério metafísico, da identificação da essência, ou seja, do indivisível ser. O limite do conceito de Pai, Filho e Espírito Santo. A essência de três seres numa impossível ponte com a unidade da substância divina.

Na verdade Tomás de Aquino havia posto a trindade numa relação: envolvendo numa única relação o amor (espírito santo), o filho e por necessidade o pai. Tomando a questão nesse ponto do tomismo, esquecendo o dogmatismo da igreja que pretende “roubar” o poder de Deus para exercê-lo em nome dele, vamos abandonar o mistério insolúvel (ou dogmatismo do mistério que alimenta os doutores bibliófilos da igreja).

Aí um pescador de Paracuru, leitor do livro das marés enchentes e vazantes, a despescar currais de peixe, plantar legumes nas vazantes, amar as mulheres e fazer filhos, devolve a Deus o poder que apenas a ele cabe. Perceberam a lógica simples? Se todos os homens são ferozes, destroem uns aos outros, é impossível entre eles uma solução de poder que faça a intermediação de todas as ferocidades destrutivas. A construção é impossível nesses termos. Nestes termos só resta a relação entre escravagistas e escravos, sem brechas na atenção, a qualquer momento o escravo apunhala o senhor.

E a solução de poder possível é aquela da igualdade, que também é irmandade e por isso mesmo de filhos semelhantes junto ao pai. A linha que revela a absoluta igualdade entre todos é o amor (espírito santo) que representa a terceira pessoa da solução de poder possível. É pelo espírito do amor que nenhum filho pode ter herança maior que os outros, a partilha do pai é a própria natureza da igualdade.

Por isso quando as igrejas são questionadas, não o espírito do amor e da igualdade, tome-se o pensamento milenar de Mudinho como igual a Tomás de Aquino ou à solução implícita do messias dos Judeus, sem que eles se dessem conta da contradição que a boa nova era a igualdade e não o povo escolhido. Do mesmo modo são questionadas todas as soluções de poder que não façam efetivamente a mediação da ferocidade humana.

Acumular riquezas, hierarquizar o poder, o individualismo predatório, em nome de si mesmo é a dinâmica da ferocidade e da destruição do ser humano pelo ser humano. Por isso mesmo desde Spartacus que as classes populares exploradas retornam com coragem que atesta óbitos.  


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