Tomando por base a
chamada Primavera Árabe (revoltas na Tunísia e Egito) como o manifesto mais
evidente e iniciador desta época temos o seguinte: há uma revolta popular,
manifesta nas ruas especialmente na Europa e nas Américas, além do Oriente
Médio e do norte da África. A revolta tem por base mudanças políticas, sociais
e econômicas. Uma parte central dela é a constituição do poder popular
(manifesto nas ruas), da centralidade da história na pessoa humana e contra o
poder de manipulação de corporações econômicas, governos e pessoas muito ricas.
Além, é claro, o desemprego, os serviços públicos e a falta de proteção social.
Parte do conteúdo
manifesto nas ruas é uma mistura de agendas de grupos e pessoas insatisfeitas,
desde problemas locais até a visão de mundo que têm. Esta multiplicidade
confunde por vez os analistas das manifestações, mas a observação geral revela
aquela agenda identificada no primeiro parágrafo.
O centro político é a
mobilização de pessoas nas ruas e tomadas de praças. Diga-se de passagem
historicamente tal não é uma novidade pelo menos desde o povo nas ruas de Paris
durante a Revolução Francesa. Mas a tônica central do momento é a mobilização
de pessoas gritando e protestando nas ruas.
Estamos vivendo uma
transição histórica no que se refere à participação popular na política. Um
questão central nesta transição é o fim da hierarquia do modelo produtivo
industrial para a horizontalidade da nova economia que tende a funcionar na
modalidade de redes e nós de distribuição. A transição significa que uma parte
central da agenda ainda é construída de acordo como os meios tradicionais como
jornais, rádio e televisão. Neste sentido estes meios ainda possuem um enorme
poder de selecionar, construir e conduzir a agenda das ruas.
Na transição as
instituições políticas clássicas estão sofrendo transformações e esgotamento
acentuado dos seus papéis. Pelo menos em razão das formas clássicas como se
organizavam. As principais instituições a sofrerem esgotamento foram os
sindicatos e os partidos políticos. Os partidos políticos foram desidratados em
representação por se tornarem estruturas burocráticas, prisioneiras do sistema
financeiro e econômico além das amarrações do formato da política conduzida
pelo Estado que foi capturado pelo poder econômico.
Desde o fim dos regimes
comunistas junto com a primazia do neoliberalismo e da globalização financeira
que a política foi aprisionada aos negócios das empresas e o rentismo do
sistema financeiro. Juntando tal primazia com o esgotamento político dos
partidos tradicionais, vimos uma onda superficial de despolitização a atingir
uma juventude especialmente preparada para o consumismo de mercado. A visão era
de jovens alienados, vivendo em shoppings, consumindo geringonças eletrônicas e
lutando em vídeo games.
Aí veio a grande crise
econômica no centro do Ocidente e de sua grande área de influência. Esta é a
verdadeira causa de toda a revolta. É a base que conduz as pessoas às ruas para
lutarem por uma situação melhor. E lutam pelo que sentem na pele: desemprego,
pouca perspectiva de futuro, violência, transportes coletivos precários,
cidades entupidas de automóveis, sofrimento para se deslocar, renda caindo e
assim vai toda a matriz das revoltas.
A juventude em todo o
mundo despertou de seu “sono alienado”. Por isso os partidos não lhe convêm. As
instituições clássicas não respondem por seus anseios. Especialmente o
parlamento e seu modo covarde de decidir contra os anseios de superação da
crise presente em todos. Uma pesquisa
feita durante as manifestações em Belo Horizonte revelou o seguinte: a maioria
é de jovens, apenas 26,5% tinha mais de 40 anos e 54,5% tinha menos de 25 anos.
Além de terem escolaridade alta (65% cursa ou terminou o ensino superior) e
estarem trabalhando (70,7%) e terem renda acima da população em geral (50%
tinha renda familiar acima de cinco salários mínimos – obs: isso não significa
alta renda, apenas que é maior que do povo brasileiro em média).
Enfim esta é a
representação da passeata em Belo Horizonte (embora tenha-se por sentimento que
seja o mesmo em todo o país esta amostra só é válida para cidade) diferindo-a,
por exemplo, do perfil na Espanha (desemprego da juventude) e na Grécia (corte
de salários), pois as lutas são comuns pela crise econômica, mas variadas segundo
a incidência da crise em cada povo. Por exemplo, no Egito e na Tunísia foi
contra o regime ditatorial, na Espanha e na Grécia foram dentro do sistema
democrático eleitoral, inclusive com mudança de governo via eleições livres no
meio do processo.
No Chile, por exemplo,
a principal revolta é da juventude em busca de ensino superior público e contra
a privatização deste ensino. Já no Brasil essa agenda não surgiu. Esta é a
especificidade de cada povo, mas a luta é uma só: a mudança em curso e a crise
econômica mundial.
O movimento desta
juventude brasileira é algo que efetivamente brota em otimismo. Parcela
significativa dos manifestantes não havia nascido quando das grandes
manifestações como aquelas pelo Impedimento de Collor. Por isso não reconhecem
líderes históricos, não sabem das lutas anteriores, mas descobriram a
importância de lutarem por uma agenda política que melhore a vida de todos. A
juventude brasileira tomou parte da política para si e, portanto, começamos a
ter herdeiros se preparando para influir sobre o presente e herdar o futuro.
O jovem brasileiro
descobriu a política e majoritariamente descobriu a bandeira do bem comum e de
uma sociedade para todos. É claro que fascistas, anarquistas, ultra
esquerdistas e até mesmo setores vinculados aos interesses econômicos clássicos
(financeiro, grandes proprietários, mídia corporativa etc.) querem ocupar as
ruas, mas o grosso do que vemos é o progresso coletivo e democrático.
O momento vivido pelos brasileiros
é apontar para o avanço social (saúde, educação, transporte, segurança, mais
democracia, etc.) e criar uma agenda popular para tal, mesmo que isso esteja
nas ruas confinado às classes médias. Uma coisa podemos aventar: o governo de
coalização conduzido pelo PT em nível federal vai passar por fraturas e por
mudanças. As próximas eleições serão muito mais disputadas e as bandeiras da
esquerda fixada pelo avanço social e da direita aparentemente fixada na luta
particular contra a corrupção. Mas isso é especulação pois a mudança ocorrida
nestas duas semanas pode revelar novas bandeiras à direita e à esquerda que
ainda estão sendo fixadas.
Retornando aos meios
que unem as pessoas como a era da mídia clássica e agora das redes sociais. É
preciso pensar que a democracia se multiplique nos serviços públicos de
comunicação (como rádio e televisão) e que todos tomem consciência clara da
redes sociais pois o jogo de construção da agenda, da mobilização e da urgência
é feito nestas redes e isso tem ocorrido em todo mundo. Na questão da mídia
clássica e desta nova mídia ainda existem big Brothers a tomar informações para
a sua exclusiva finalidade e em detrimento da democracia.
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