J. FLÁVIO VIEIRA
Jonathan
Swift ( 1667-1745) , escritor irlandês,
viveu naquele período que antecedeu, diretamente à Revolução Industrial. Vivendo em Londres, testemunhou a cidade se
apinhando de pobres diabos , em meio às profundas migrações do meio rural para
uma ainda nascente metrópole. Juntos se avolumavam todos os problemas de ordem sanitária,
habitacional, econômica que, inclusive,
tinham dizimado grande parte da população , na Grande Peste de Londres, um ano
antes do nascimento do escritor. Swift foi, certamente, um dos maiores sátiros
da Literatura Universal. Em 1729, ele escreveu uma das suas pérolas : “ Uma modesta proposta para prevenir que, na Irlanda,
as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país e, para as
tornar benéficas para a República”. No
folhetim, Swift propunha, vendo a terrível situação de mendicância das crianças
dos humildes no Reino Unido, que elas fossem vendidas a peso, por volta de
uma ano de idade, e transformadas em carne para consumo humano. Segundo sua
tese , os benefícios seriam enormes : a tenra carne de criança, teria grande
aceitação; os rendeiros mais pobres, cheios de filhos, teriam um grande capital
a negociar; pela grande quantidade de pequerruchos a serem postos no mercado,
haveria uma grande injeção de capital, no país; seria ainda um grande incentivo
ao casamento, já que os filhos vindouros renderiam grana; aumentaria o cuidado
das mães pelos filhos, antevendo o lucro; os homens passariam a gostar tanto de
suas mulheres na gravidez, quanto das suas éguas prenhes e , muitas outras
vantagens são citadas, corroborando a tese aparentemente estapafúrdia do autor.
Swift, de forma drástica, queria denunciar a terrível situação social numa Londres e Irlanda com olhos fitos , diretamente, no capital e
no seu lucro. Deixar os bebês morrerem de moléstias, fome e inanição, seria
menos perverso do que fazer valer sua Proposta ?
Lembrei Swift,
amigos, justamente porque, justamente 284 anos após sua autodenominada “Modesta
Proposta”, apareceu, no Brasil, um discípulo do mestre Irlandês. Em Piraí, Rio
de Janeiro, o vereador Paulo Carvalho de Oliveira, conhecido popularmente por “Russo”,
apresentou um projeto polêmico na Câmara. Propõe, abertamente, cassar o voto
dos moradores de rua. Em discurso inflamado na tribuna defendeu sua teoria, com
veemência : -- "Mendigo não tem
que votar. Mendigo não faz nada. Ele não tem que tomar atitude nenhuma. Eu não
dou nada para mendigo. Não adianta me pedir que eu não dou. Se quiser, vai
trabalhar”.
Em
seguida, olhos esbugalhados, babando pelos cantos da boca, citou o texto que, como por encanto, o pôs
numa máquina do tempo e o aproximou de Swift que dorme , há três séculos na
Capela de São Patrício em Dublin :
--- “Aliás, acho que mendigo deveria virar comida
para peixe !”
Definitivamente,
as nossas Câmaras de Vereadores andam passando por momentos difíceis. A de
Juazeiro mereceria ser barrida do mapa e a de Crato poderia, sem grandes
problemas, ser transformada numa Casa de Leilões. Quem dá mais ?
Na
visão do Russo , mendigo não é gente, enfeia a cidade, não quer trabalha, e não
pode exercer seu direito de cidadão, mesmo de última classe. E ele, inclusive,
tem uma espécie de Solução Final para o problema, inspirado mesmo de viés, no
grande escritor irlandês. Na verdade, Paulo Carvalho tem, pasmem todos, uma
visão que não é muito diferente de muitos e muitos meninos de classe média alta
deste país e que já se haviam antecipado
na resolução desta crítica mancha urbana,
quando tocam fogo nos pedintes que dormem nas praças públicas e criaram um prato especial : o indigesto “Churrasco de Mendigo”.
Observando
bem, Paulo de Carvalho e Swift estão
separados não só por três séculos. A proposta do vereador de Piraí , por
incrível e absurda que possa parecer, é real, saiu da sua cabeça como verdade e
necessidade insofismáveis. E mais, ele não está sozinho, ele representa um
enorme segmento da nossa mais refinada sociedade. Este grupo entende os
mendigos como a borra , a lama da sociedade e que só servem para poluir visualmente
as cidades. Os eleitores de Carvalho defendem pena de morte e, para eles, a pobreza é sinônimo de preguiça e de furto. Swift,
como todo grande artista, montou sua sátira para alertar uma Sociedade
adormecida das profundas injustiças sociais que pululavam à sua frente. Paulo
de Carvalho apresenta uma tese que orgulharia Eichmann , Mengele e Hitler.
O
vereador poderia, muito bem, se preocupar com os terríveis e milenares
problemas que continuam devastando a humanidade. Este outro, Paulo, já está
resolvido. Todos nós, Russo, eu, você e os mendigos que você pretende dizimar,
temos um banquete marcado prá daqui a pouquinho. E seremos servidos todos como prato principal, não aos peixes,
meu amigo, mas aos vermes.
Crato, 01/11/13
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