Robledo Ipueira terminou eleito, em
Matozinho, com uma votação recorde. O poder político até então se alternava
entre dois grupos acirradamente inimigos : Os Cangatis e os Carrapatos.
De início, ninguém imaginou que a regra pudesse ser um dia estilhaçada. Robledo
nem matozense era. Chegara por ali há pouco mais de dez anos e se meteu no ramo
de mandioca, produzindo farinha, goma e beiju. Os negócios prosperaram ,
impulsionados por seguidos anos de invernos fartos. De conversa fácil e
traquejo no ofício, Ipueira construiu muitos amigos. Toda Matozinho, no
entanto, olhou com ceticismo sua candidatura a prefeito da cidade. Parecia
fadada congenitamente ao fracasso. Depois de tantos e tantos anos de
alternância dos mesmo lobos guarás de sempre, no entanto, os desgastes se vão
tornando insuportáveis. A candidatura de Robledo apareceu, assim, como uma
novidade tanto que, rapidamente , os Cangatis e Carrapatos se uniram pela
primeira vez na história e apresentaram uma chapa concorrente a Ipueira, tendo
como candidato Ronivaldo Cangati e , como vice, Garibaldo Carrapato. Se
vencedores, claro, rapidamente brigariam, mas o intuito era tirar a
possibilidade de um terceiro vir a dividir o bolo político.
Teria
sido, uns cinco antes do período
eleitoral, que por ali aportou um beato
de barbas longas e níveas como leite mugido. Vestia-se com roupas
de saco , sandálias currulepes. Trazia aquele ar de quem não tomou o gardenal
todo : Olhos aboticados e cabelos
desgrenhados. Instalou-se, numa palhoça, numa área próxima à subida da Serra da
Jurumenha. Chamava-se Apurinã , tinha voz pausada e cavernosa e vivia, em seus
sermões, relembrando grandes catástrofes bíblicas e ameaçando os pecadores com
as labaredas do inferno e as sete pragas do Egito. O povo, carinhosamente, o
chamava de Pai Nanã. Aos poucos, o beato foi acumulando seguidores,
principalmente, quando, um belo dia, anunciou o final dos tempos. O mundo acabaria
no dia 28 de Outubro de 1999 de um grande terremoto, seguido de explosões vulcânicas, fogo e,
finalmente, os mares invadiriam as terras num novo dilúvio. Pai Nanã tivera essa visão , num sonho, em que
a Virgem lhe aparecera e alertara: O criador, cansado de tantos pecados da
humanidade, resolvera deletar o mundo e, talvez, começar de novo tudo, após um
upgrade.
O
povo de Matozinho, cansado do mesmismo , empurrou a única porta que viu à frente para fugir daquela enrascada.
Robledo terminou eleito com quase 70% dos votos. Assumiu o governo em 1995,
para a alegria de todos, transportando um caminhão de esperanças. Votação tão
expressiva carregava consigo uma enorme responsabilidade, eram inúmeras as demandas da cidade, após tantos e tantos
anos de “venha a nós e nada a vosso reino”. Rapidamente, no entanto, o povo de Matozinho
descobriu que tinha trocado égua por biroba. Robledo não possuía qualquer tino
administrativo. Envolveu-se com secretários piores que ele. Varava o terceiro ano
do mandato e não se contava uma obra só de relevância no município. Postos de
Saúde fechados, Escolas sem merenda escolar, ruas esburacadas. Ipueira andava
escondido, despachava cada dia em um local diferente, temendo as cobranças. Daí terá vindo talvez seu apelido : ” Robledo Manipueira”.
O
último ano do mandato do nosso edil coincidiu com a terrível profecia de Pai
Nanã. Vendo a cidade devastada, os matozenses descobriram outras razões para
acreditar no fim do mundo. Os dias que antecederam o fatídico 28 de outubro
daquele 1999 foram de intensa agitação na cidade. Todos carregavam um ar de
desespero, como se estivessem perpetrando seus últimos atos . Pai Nanã, uma
semana antes, conclamou todos a subirem para Serra da Jurumenha. Acreditava que
lá em cima, talvez, houvesse ainda alguma chance de escapar do fogo e da
inundação.
Matozinho
praticamente esvaziou naqueles dias que antecederam à previsão terrível de Pai
Nanã. Uma multidão de maltrapilhos se acotovelava em cima da Serra, esperando
as horas finais. Choravam, rezavam, se abraçavam. Pai Nanã exortava a todos pedirem
perdão dos seus pecados e exercerem entre si milagre libertário do perdão. O Dia 28 amanheceu trazendo, já nos seus primeiros raios, claros
sinais do apocalipse vindouro. Uma chuva persistente, com trovões de estalo que
simulavam os tremores de terra previstos para logo mais. O clima entre os fiéis era de gado indo para o
matadouro. À tarde, porém, a chuva cessou e o céu se abriu. As horas se
passaram sem mais atropelos. Quando o dia 29 por fim chegou, sem que nada
tivesse acontecido, trouxe, junto, uma
mescla de alívio e desapontamento. Pai Nanã , desconfiado, tentava entender
onde teria errado na interpretação da profecia. Começaram todos a descer a
serra. Pela trilha íngreme da descida iam se aproximando de uma Matozinho arrasada, suja, triste e esburacada e, pior,
sem vivalma. De repente, Jojó Fubuia que resolvera , pelo sim, pelo não,
providenciar seu próprio dilúvio etílico, com a voz tropa como se sofrera um
ramo, virou-se para Pai Nanã e disse, olhando para Matozinho que se aproximava
:
--- Pai Nanã, fique triste não,
homem de Deus , sua profecia tava certa! Você só errou a forma do acabamento do
mundo. Num era de fogo nem água não !
--
Como assim ? -- Quis saber, um Nanã cabisbaixo.
O
mundo se acabou foi de veneno, Pai Nanã! De veneno !
---
Veneno ? Que veneno ? Você tá é bêbado, seu Jojó !
Jojó,
então, como um profeta apocalíptico ou apoquetílico , lascou :
---
Manipueira, Pai Nanã ! Manipueira foi que acabou o mundo !
Crato, 19/06/15
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