Confeccionados
em edições limitadas, virgens, intocados e inocentes, eram assim os uniformes
dos nossos principais clubes de futebol, até bem pouco tempo. E tais predicados
serviam para realçar a beleza, o esplendor e magia de cada um deles. Havia até
uma certa timidez, certo receio, um excessivo respeito que nos impedia de
maculá-los, acessá-los, sequer tocá-los.
O
símbolo do clube - e só ele - soberano e galhardo, pontificava e realçava, à
altura do peito esquerdo, sobreposto às cores respectivas. A camisa de um Vasco
da Gama, um São Paulo, um Fluminense ou um Palmeiras se nos apresentava sóbria,
elegante, indevassável, imaculadamente soberana em sua pureza. Nada capaz de
nodoá-las. Além do símbolo-emblema à frente, apenas a numeração às costas. Era,
pois, motivo de orgulho pra todos nós, torcedores. Pode-se inferir que foi ali,
via imaginário popular, que se materializou seu batismo como “manto sagrado” (ou
uma “segunda pele”).
Mas,
aí, adentrou no campo de futebol um parceiro que mais tarde se revelaria por
demais “guloso”, a televisão, já que trazendo a reboque um avassalador e
temível rolo-compressor: os “patrocinadores”. Extremamente profissionais,
poderosos, fortes, exigentes e cheios da grana, comendo pelas “beiradas”
começaram o processo de demolição progressiva do romantismo imiscuído numa
atividade até então praticamente amadora e, até, marginal.
Assim
é que, num primeiro momento, as bordas do campo de futebol (laterais) outrora
vazias, solitárias, desprezadas e sem qualquer valor mercantil, repentinamente
se viram povoadas com dezenas de placas, anúncios, propagandas diversas;
estáticas, em formatos variáveis e multicoloridos, tais instrumentos anunciavam
desde bebidas alcoólicas a peças íntimas femininas, do másculo aparelho de
barbear ao suave desodorante direcionado à mulher. Tudo isso veiculado pela TV,
para milhões de telespectadores, tornou muita gente milionária.
Estava
dado o primeiro passo para a “profissionalização” definitiva das nossas
principais equipes. E então, mais que rapidamente, foi dado o passo seguinte:
“vapt-vupt”, sem que sequer nos déssemos conta, das bordas do campo o
insaciável e esperto “patrocinador” resolveu pular adiante, alçar voo rumo a um
espaço mais visível, generoso, abrangente e em permanente exposição: e dessa
forma, agindo sem quaisquer concessões ou escrúpulos, foi que os “mantos-sagrados”
das nossas principais agremiações foram fria e calculadamente desvirginados,
violentados, estuprados. Irreconhecíveis se tornaram, perderam a magia.
Ainda
insatisfeitos, a partir de então os próprios jogadores de futebol foram
literalmente obrigados e passaram a funcionar como eficientes “outdoors”
ambulantes, a anunciar um produto qualquer. Para tanto, os novos “donos do
futebol” trataram de instruir e catequiza-los a trocarem as camisas entre si,
ao final de cada pugna, ou mesmo a as arremessaram para a torcida, objetivando,
evidentemente, difundir a “marca”, fazê-la circular, se tornar conhecida além
do campo de jogo ou do próprio estádio.
E
tem mais: se antes os nossos craques se notabilizavam pelo belo sentimento-amadorístico
do “amor à camisa” (pela qual só faltavam se matar em campo), pela siderúrgica
fidelidade ao clube de origem (a ponto de dificilmente se transferirem para um
outro) chegando mesmo a serem confundidos com a própria instituição (Pelé, no
Santos, Roberto Dinamite, no Vasco e Zico, no Flamengo são exemplos emblemáticos),
pois bem, como se não bastasse isso, repentinamente o patrocínio se
individualiza na figura do próprio craque, avança sobre o esportista, peita e
corrompe inexoravelmente o homem.
E
haja “direito de imagem” pra cá, “direito de imagem pra lá”, que implica em
usar um boné de uma determinada marca, uma chuteira de uma cor tal, uma
prosaica “fitinha” (com a marca estampada) a prender o cabelo, e por aí vai, em
troca de montanhas de dinheiro.
Resumo
desse capitalismo selvagem ??? A TV transformou o futebol num rendoso,
inesgotável e próspero negócio, com dirigentes e jogadores “nadando” em
dinheiro. E haja propina. Nem que para isso o torcedor seja dia-a-dia
desrespeitado, ignorado, relegado a ser um mero objeto de consumo, simplório
coadjuvante, sem nenhum poder de escolha; assim, os jogos tanto podem começar
ao sol inclemente do meio-dia, como avançar pela madrugada e terminar no dia
seguinte; o calendário vai de segunda a domingo e quem não achar correto que se
exploda.
Quanto
ao nosso querido “manto sagrado”, foi pro beléleu, voou pro espaço,
escafedeu-se, sumiu; é mais fácil encontrar uma agulha no palheiro que
localizar, mesmo com uma possante lupa, o “símbolo do clube” em camisas
repletas de propagandas às mais diversas (e normalmente de um tremendo mau
gosto). Até a seleção nacional se rendeu ao mercantilismo do patrocínio e a
“amarelinha” já ostenta as tais “marcas”.
E foi, a partir daí, ao passar a integrar permanentemente a grade de programação das TVs,
o futebol deixou de ser uma atividade “marginal” e seus jogadores passaram à
condição de verdadeiros “ídolos” (e literalmente disputados no tapa pelas
mulheres).
Que,
ante a perspectiva de também aparecerem na “telinha”, em bandos passaram a frequentar
os estádios da vida (acompanhadas dos parceiros e da própria família), dando-lhes
um colorido todo especial, mais familiar.
Pelo menos, isso de bom nos propiciou
a profissionalização do futebol.
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