por Juliana Moreira, Carolina Bueno e Grazielle
Cardoso
Enquanto estivermos em uma democracia, é possível discordar do governo,
fazer oposição, escrever textos, ir a manifestações. Deve-se temer um candidato
que sempre afirmou não ter existido ditadura no Brasil, negando a história e
incitando ódio e violência abertamente.
Na década de
1980, quadros de todos os campos políticos, da direita à esquerda,
como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel
Brizola, Miguel Arraes, André Franco Montoro, Dante de
Oliveira, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando
Henrique Cardoso, lutavam pela redemocratização do país e por eleições diretas.
No entanto,
depois de 21 anos de ditadura militar, foi somente com a promulgação da
Constituição de 1988 que a democracia foi restaurada e tivemos pela primeira
vez na história do país garantidos os direitos sociais.
Por que voltar tão longe na nossa história? Para
mostrar que, depois de 30 anos, é justamente o pacto democrático de 1988 que
está ameaçado pela candidatura do deputado Jair Bolsonaro nessas eleições.
Instituições
e especialistas, através de notas, opiniões, entrevistas, estudos etc., tanto
de projetos da direita quanto da esquerda, alertam do perigo à democracia caso
um presidente de extrema-direita suba à cadeira de presidente do país.
Os mais conceituados jornais do mundo publicaram textos nas últimas
semanas alertando sobre o risco. O Washington Post aponta que ascensão de
Bolsonaro é um novo golpe para a democracia liberal. The
Guardian diz que a democracia está em perigo no Brasil.
A revista The Economist afirmou que o deputado é
uma “ameaça para América Latina” e suas propostas para o Brasil são “brutais“.
“Um populista de direita, defendeu a deplorável ditadura militar que governou o
País entre 1964 e 1985 e justificou o uso da tortura”, no New York Times.
As
declarações feitas pelo deputado Bolsonaro:
Em entrevista, o deputado afirma que o economista Chico Lopes, que junto
com Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha, formulou o Plano Cruzado,
deveria ser submetido a um “pau de arara”; se declara a favor da tortura
e da sonegação de impostos, diz que fecharia o congresso nacional e daria um golpe
no primeiro dia de governo; afirma não acreditar no voto, e que o
país só irá mudar quando houver uma guerra civil e matar 30 mil, começando com
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, que deixou o PSDB e
foi para o Partido Novo assumir o programa do João Amoedo, afirmou em
entrevista que a convocação de Paulo Guedes é mais uma jogada oportunista, pois
não crê que o deputado Jair Bolsonaro tenha nenhuma afinidade com agendas
pró-mercado e que “o risco de vitória desse populismo nacionalista
militarista é preocupante”.
Alguns
exemplos desse populismo militarista:
O deputado encoraja os pais a ensinarem os filhos de cinco anos de idade a atirar.
Ele próprio começa a ensinar uma criança, de cerca de 4 anos, a fazer o sinal
de uma arma, e brada “temos que rasgar o ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente) e jogá-lo na latrina”.
Exalta
um dos maiores torturadores do regime militar, o Coronel Brilhante
Ustra – aquele que além de torturar, levava os filhos para verem suas mães
serem torturadas; deseja a morte da Dilma “infartada, de câncer ou de
qualquer maneira“, exalta o fuzilamento da “petralhada do Acre“, se
diz contra as minorias, e encoraja os pais a darem uma palmada, uma cintada, um
“côro” nos filhos para “entrarem na linha” e mudarem o
comportamento sexual.
Ou seja,
trata-se de um candidato que declara fuzilar adversários; que exalta e
homenageia torturadores. Formas explícitas de incentivo à violência e tortura,
do uso da moral e da religião (que contradição, hein?), compõe sua campanha
eleitoral, e levaram Bolsonaro ao segundo turno na corrida presidencial, com
mais de 40 milhões de votos.
Qual o risco
da naturalização de atitudes desumanas, autoritárias, e de violência explícita?
Há trinta anos,
todos os presidentes desde a redemocratização – Collor, Itamar, Fernando
Henrique, Lula, Dilma – respeitaram e cumpriram o padrão democrático selado em
1988. Nenhum deles despreza abertamente o sistema de liberdades e garantias
selado em 1988, como faz o deputado Bolsonaro.
Em palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, o professor da
Universidade de Harvard, Steven Levitsky, autor do livro “Como morrem as
democracias”, alertou para o risco de o Brasil eleger um
potencial autocrata:
“Se um candidato, em sua vida, carreira política ou durante a
campanha, defendeu ideias antidemocráticas, devemos levá-lo a sério e resistir
à tentação de apoiá-lo, ainda que, diante de circunstâncias momentâneas, pareça
ser uma opção aceitável”.
“Devemos fazer todo o possível para evitar que um candidato
antidemocrata conquiste o poder, pois, ao chegar lá, não tenha dúvida de que
ele colocará em prática suas ideias autoritárias. Para impedir que isso ocorra,
vale até mesmo se aliar a adversários políticos com opiniões diversas, desde
que firmemente comprometidos com a democracia”.
É importante
lembrar que o Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980, justamente lutando
pelo fim do regime militar e pela democracia do país. Não faz sentido histórico
associar o PT com qualquer tipo de ditadura. Muito embora não concordemos com
esse ou aquele projeto, posições partidárias diferentes, PT e PSDB, ou qualquer
outro partido, mesmo que muitos de seus quadros estejam presos ou envolvidos em
escândalos de corrupção, é preciso reconhecer a importância desses partidos
para a consolidação das instituições brasileiras, de programas e projetos.
Os partidos
políticos, com seus defeitos e qualidades, suas contradições, são instituições
da nossa democracia e nenhum deles feriu isso. O deputado Bolsonaro sim. Que
também apresentou ser contra as instituições multilaterais, como a ONU
(Organização das Nações Unidas) e defendeu a saída do Acordo de Paris. Não
podemos negar a história e, sim, aprender com ela. E a democracia é uma das
maiores conquistas, não só do Brasil, mas de vários países em todo o mundo.
A quem
interessa, em nome de “exterminar a corrupção”, fragilizar e destruir as
instituições e os partidos políticos?
Se
conseguirmos nos afastar por um minuto do argumento “a corrupção é o maior
problema do Brasil e o PT é maior expressão do que é ser corrupto” talvez seja
possível recuperar a capacidade de julgar e entender o risco à nossa frágil e
recente democracia. E que ainda estamos caminhando e aprendendo com ela.
O empresário
Ricardo Semler, que não compartilha dos pressupostos programáticos do PT e até
pouco tempo era filiado ao PSDB, escreveu em artigo de opinião intitulado “Alô
companheiros de elite. Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas”, que
é estarrecedora a tese de que “qualquer coisa é melhor do que o PT”. Ele dá o
exemplo da eleição de Lula em 2002, quando as elites diziam que 800 mil
empresários deixariam o país caso o PT ganhasse as eleições, e em seguida os
principais empresários viraram conselheiros próximos de Lula.
No final do artigo, Semler faz um apelo: “Colegas de elite, acordem.
Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos, mas talvez queria e
possa mostrar, num segundo ciclo, que ainda é melhor do que o Centrão
megacorrupto ou uma ditadura autoritária. Foi assim que a Europa inteira se
tornou civilizada. Precisamos de tempo, como nação, para espantar a ignorância
e aprendermos a ser estáveis. Não vamos deixar o pavor instruir nossas
escolhas. O Brasil é maior do que isto, e as elites podem ficar, também.
Confiem”.
Pode haver
discordância dos caminhos trilhados nos dois governos de FHC ou nos mandatos de
Lula e Dilma, mas, cada um à sua maneira, contribuiu para fazer valer o que
pactuamos em 1988: “um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias” (preâmbulo da Constituição).
No entanto,
agora estamos em uma encruzilhada histórica.
Enquanto
estivermos em uma democracia, é possível discordar das opções políticas do
governo, fazer oposição, escrever textos, andar nas ruas se manifestando contra
as políticas econômicas e sociais do governo. O deputado Bolsonaro fez sua trajetória
política afirmando não ter existido ditadura no Brasil, ou seja, nega a
história e desrespeita a democracia. Apoia e homenageia um dos maiores
torturadores do regime militar, fala em fuzilar adversários em evento de
campanha, acabar com o congresso, e ainda incita o ódio e a violência
abertamente. Recentemente, questionou a legitimidade das urnas gerando
desconfiança eleitoral na população.
Na
democracia é que é possível convivermos e expressarmos nossas ideias. O aumento
do grau de intolerância nas ruas já é sinal do enorme risco que estamos
expostos.
No campo
democrático, a gente sempre joga melhor.
Juliana Moreira - É economista pela UFRJ,
especialista em Políticas Públicas, doutoranda em Desenvolvimento Econômico
pela Unicamp e integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp
Carolina Bueno - É pesquisadora pelo Núcleo de
Economia Agrícola e do Meio Ambiente da Unicamp e doutoranda pelo Instituto de
Economia da Unicamp
Grazielle Cardoso - é economista pela
Universidade Federal de São Carlos e mestranda em Desenvolvimento Econômico
pelo Núcleo de Economia Agrícola e Meio Ambiente da Unicamp
Nenhum comentário:
Postar um comentário