SAB, 20/10/2018 - 10:00
Profissional responsável pelo furo jornalístico
recebeu a solidariedade de colegas após ataques / (Foto: Reprodução/Twitter)
do Brasil de Fato
Patrícia Campos de Mello, da Folha de S. Paulo,
sofre ameaças e agressões por parte de apoiadores do candidato do PSL
Lu Sudré
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
“Mais uma canalha imunda, militante esquerdista.
Quando Bolsonaro ganhar temos que combater esses canalhas com ferro e fogo, se
é que me entendem. Sem misericórdia contra esses vagabundos”.
Essa é apenas uma das inúmeras
mensagens que a jornalista Patrícia Campos Mello recebeu.
A profissional é a autora da reportagem publicada
pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (18) que
denunciou possível caixa 2 na campanha presidencial de Jair Bolsonaro.
A matéria apresenta informações sobre a ação ilegal de empresas privadasque
financiaram o disparo massivo de mensagens contra o Partido dos Trabalhadores
(PT) via WhatsApp, com o objetivo de influenciar as eleições. A disseminação
das informações falsas favoreceu o candidato do PSL.
Depois da publicação da reportagem,
os eleitores favoráveis a Bolsonaroimpulsionaram a hashtag #FolhaPutinhaDoPT
no Twitter. “Militante travestida de jornalista, código de ética do jornalismo
que é bom, usa apenas pra limpar a bunda tão suja quanto seu caráter”, escreveu
um internauta. “Puta vagabunda”, escreveu outro.
Em repúdio às ofensivas contra
Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, organizações e
entidades importantes como a Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo (Abraji) e o Instituto Vladimir Herzog
(IVH) condenaram as agressões.
“Patrícia Campos Mello é uma das mais
importantes jornalistas do país. Repórter experiente, cobre relações
internacionais, economia e direitos humanos há 18 anos. Cobriu conflitos como o
da Síria e foi a única profissional brasileira a cobrir in loco a epidemia de
Ebola em Serra Leoa em 2014 e 2015. A Abraji condena a ofensiva contra Patrícia
Campos Mello. Retaliar jornalistas em função de sua atividade profissional não
atinge apenas o(a) comunicador(a) em questão; traz prejuízos à sociedade como
um todo, inclusive aos que praticam os ataques”, posicionou-se a Abraji.
Em nota, Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj),afirma que a entidade também condena as agressões e, em
repúdio, lançou nota conjunta com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no
Estado de São Paulo.
“Existe um candidato que faz apologia da violência.
Isso está fazendo com que parte da sociedade encare a violência como forma de
ação política. No caso do jornalismo, quem opta pela violência demonstra todo
seu perfil antidemocrático. O jornalismo tem como função social exatamente
levar a informação de interesse público para a sociedade, mas quem se sente de
alguma forma prejudicado, acha que pode usar da violência para impedir que a
sociedade tenha conhecimento dos fatos. Isso é muito grave e está exacerbado
nessa eleição”, afirma Braga.
Para ela, é urgente que as autoridades brasileiras
tomem providências contra as ameaças. A presidente da Fenaj também destaca que
as agressões contra a jornalista em questão foram feitas, exclusivamente,
por eleitores de Bolsonaro.
“Vários mandaram email para Fenaj pedindo
investigação do comportamento ético da jornalista, em uma tentativa clara de
intimidação, para que não se fale do candidato. É claramente um processo de
intimidação, de tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa. Ao fazer
ameaças e dizer que pode sim ocorrer violência, estão tentando fazer com que a
jornalista se cale”, critica.
Apesar das mensagens de ódio, Patrícia Campos Mello
recebeu mensagens de apoio de outros profissionais.
“É uma das grandes repórteres desta geração. Já fez
reportagens em zonas de guerra no Afeganistão, Síria, Iraque e Gaza. Cobriu a
epidemia do ebola in loco em Serra Leoa. Foi correspondente em Washington. E
faz uma ótima cobertura da eleição brasileira na Folha”, elogiou o Guga Chacra,
correspondente internacional da Globo News.
Leonardo Sakamoto, outro jornalista usualmente
perseguido e xingado nas redes sociais, também prestou apoio.
“Patrícia Campos Mello é a melhor repórter do país.
Cobriu guerras, a epidemia de ebola, fez grandes investigações. Patrícia está
sendo covardemente atacada após sua reportagem sobre o impulsionamento de
mensagens no WhatsApp por empresários pró-Bolsonaro ser publicada. Num momento
em que fatos perdem importância, quem não consegue debater com argumentos atua
para exterminar o mensageiro. O toque de cinismo fica por conta do fato que
editaram uma entrevista que ela concedeu, distorcendo o seu sentido, para
atacá-la”, escreveu Sakamoto.
Entenda o caso
A reportagem publicada pela Folha informou
que as empresas privadas estariam preparando uma grande operação de
disseminação de mensagens via WhatsApp para a semana anterior ao segundo turno.
As companhias envolvidas utilizam a base de
contatos vendida por agências de estratégia digital, assim como a base de
contatos de Bolsonaro. No entanto, a lei só permite o uso de lista de
apoiadores do próprio candidato, com contatos disponibilizados de forma
voluntária.
Para disparar centenas de milhões de
mensagens, cada contrato firmado chega a R$ 12 milhões. A prática é considerada
ilegal, pois se configura como doação de campanha por empresas, proibida
pela legislação eleitoral. Entre as compradoras do serviço, está a Havan,
cujo dono, Luciano Hang, obrigou seus funcionários a votarem em Jair Bolsonaro.
Por ter sido beneficiado diretamente pelo envio
ilegal dessas mensagens, Bolsonaro pode ter sua candidatura impugnada ou
cassada, caso seja eleito. A punição pode acontecer mesmo se não for comprovada
sua participação direta na ação.
Entre as agências responsáveis pelo “disparo em
massa” estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market. No entanto,
na prestação de contas de Bolsonaro consta apenas a empresa AM4 Brasil Inteligência
Digital, que recebeu R$ 115 mil para mídias digitais.
O valor do serviço varia de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência.
O valor do serviço varia de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência.
O PT entrou com uma Ação de Investigação Judicial
Eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que se investigue a chapa
de Bolsonaro por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de
comunicação.
Jornalistas em risco
A repórter especial da Folha
de S. Paulo não é a única que sofre com agressões na profissão. A
situação é alarmante: De acordo com relatório recente da Abraji, entre maio de
2017 ao início de outubro de 2018, período que compreende a cobertura das
eleições, foram registrados 129 atos de violência contra profissionais da
imprensa.
Do total, 98 ocorrências envolvem agressores
ligados a candidaturas de direita. No caso dos 70 casos de ataques
digitais e incitação de ódio pela internet, 67 partiram de militantes de
direita, e, em relação aos registros de agressões física, 31 foram praticados
por eles.
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