AS CIDADES VIVIDA – AIUABA
Conta
o viajante, nos canais de comunicação, que Aiuaba é uma terra encantada, que
alterna suas formas e cores como aqueles efeitos luminosos de grandes painéis e
de árvores com lâmpadas chinesas, que enfeitam o verão quente dos trópicos, com
apliques brancos como a neve.
No
inverno, Aiuaba é de mais variado verde que a paleta de Monet. Ao longo do
tempo as cores se modificam em ritmos diferentes, nas redondezas da cidade é
uma cor, na Estação Ecológica é outra, na Serra dos Bois as cores se desmancham
no caititu dos aviamentos das Casas de Farinha.
Nas
margens dos açudes, um colar clorofilado e nas várzeas, faixas de umidade que,
lentamente, modificam a tonalidade. As cores temporais de Aiuaba, um dia deixou
de ser Bebedouro, porque outro havia a nomear uma cidade paulistana. Nome
perfeito para um vaqueiro tangendo as boiadas pelos campos altaneiros dos
Inhamuns e dos sertões do Piauí.
Todo
mundo se pergunta sobre o fio do tempo mais longo da história dos sertões
centrais do Ceará. Escondida no meio do mato, esquecida do tempo, eis a Casa do
Umbuzeiro, que muitos sabem ser o berço familiar de dezenas de clãs no círculo
de mais de cem quilômetros de raio. E a Casa do Umbuzeiro virou mito,
imaginação, sem compromisso com sua integridade física. A ela ergueu o Padre
José Bezerra do Vale, tido que, de dia, batizada os filhos que, à noite, ele
mesmo gestava.
As
ruas de Aiuaba, têm o silêncio dos séculos de ocupação, soma milênios dos povos
que se fixaram em suas matas de terras altas e as centúrias da ibéria invadida,
miscigenada, civilizada por ocidente e oriente, centro de gravidade da
acumulação de conhecimento das grandes navegações e do maior poder unificador
territorial da resultante do mercantilismo.
Quando
em Aiuaba, nos cafés do Mercado, após o bate papo com Limaverde, na sua cadeira
de rodas, os gestos da mudez quando ainda não se sabia a linguagem dos sinais,
e seu Francês, como um relógio britânico, indo até a conversa de início de
noite na praça da matriz e, na exatidão de minutos, retornando ao aconchego da
casa.
Aiuaba
é uma terra seminal nos Inhamuns. Dos Fernandes Vieira, dos Feitosas, dos
Arraes, dos Bragas, dos Andrades, Rochas, entre tantos que povoaram o futuro do
país. Mas, também, tem cruzado em seu coração as tragédias pessoais, que
resultaram de violências e mortes, vinganças e destruição. Nunca se esqueceu de
seu Caboclo do Umbuzeiro, destemido, doce e sedutor, mas valente para qualquer
embate que houvesse.
Embaixo
de um umbuzeiro, no entanto, sabe-se que uma seiva de vida corre pelas terras
da cidade. Um amor pela pecuária de corte, com as sobras de leites e derivados
tal qual a manteiga da terra pura em sua originalidade e o mais saboroso queijo
de coalho. A carne de criação e um tempero de poucas especiarias, assim mesmo
personalíssimo: alho, pimenta do reino, sal, cebola eventual e para outras
receitas o gergelim e algumas ervas como a doce.
Em
Aiuaba existe um fenômeno especial (não incomum no Nordeste) que são traços de
personalidade, ética, honra, moral e inteligência de acordo com os núcleos
humanos em suas fazendas. Como se fosse uma herança tribal da memória
subjacente. Então, uma vez sabendo-se que é de tal fazenda, já se imagina
traçar o seu perfil.
Antes
que o viajante siga para além do multicolorido de Aiuaba, levará ele a memória
de dois pratos de extraordinários sabores, no desvio padrão da normalidade
gustativa. Lembrará o doce de chouriço, feito com sangue de porco, alguma
gordura, gergelim, castanha de caju, erva doce ou outro tipo.
E
o sarapatel, muito variável no Nordeste, de tal modo que muitos o confundem com
sarrabulho. O primeiro das vísceras de carneiro e este das vísceras de porco.
Acontece que em Aiuaba (de resto em partes dos Inhamuns) o sarapatel é do puro
sangue ovino, talhado, cozido de modo a ser partido em pequenos cubos e
completado o cozimento com as iguarias típicas de lá: muito alho e pimenta do
reino.
Quando
o viajante me descreveu a cidade, lembrei-me que alguma coisa havia em meu
coração. Uma lembrança do Boqueirão e da Santa Clara. De um professor que faria
cem anos no vindouro mês de abril. Além da sua mãe Leonarda, que tivera a visão
clara do século XX, no dia em que, ao acordar para uma viagem na madrugada, viu
o rastro luminoso do Cometa de Halley.
Muito
mais havia para o viajante contar, mas ele tinha pressa em seguir em rumo do Nascente.
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