TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 23 de novembro de 2007









A divina dádiva


E nem
A mecânica do espanto
Afunilado na retina
Nem os fantasmas
Cítricos dos cajás
Nem o ilusionismo
Beligerante dos camaleões
Ou mesmo a devoluta
Esgrima de mil espadachins
Aturam tanto o suspenso
Entre o porvir e o sido
Como eu estendido nesse
Guaradouro de ressalvas

E nem
A sabedoria ensaboada
Das lavadeiras nuas
Nem os arruados
Arrumados sem rumos
Nem a cartografia
Cretina dos emboladores
Ou mesmo o estio
Dos adivinhadores de chuva
Aturam tanto o escoado
Entre o ir e o ido
Como eu estendido nesse
Aparadouro de suspiros

E quando
Meus dedos magros
Tatearam as
Horas debulhadas
E o vazio entronizou
O seu império de
Reticências aladas
O que poderia eu fazer
Além de escorar as
Portas com ganidos
Entre o abrir e o repartido
Como eu estendido nesse
Ancoradouro de desnutridos

Essa alma que
Urra para o mundo surdo
Essa que espalha pelos bules
Uma insônia agoniada
Essa mais outra que
Deposita fezes nas ostras
Essa ainda parturiente
Das ingrizias pálidas
São todas elas harpas
De arame-farpado
Entre o grunhir e o mordido
Como eu estendido nesse
Abatedouro de trigais

Elas me rodeiam
Todo dia como água
Elas juntas me sitiam
E a teus olhos mil anos
São como um dia
Tu os levas como uma
Corrente de água que
Mata a sede dos bichos
E faz nascer a relva a
Lágrima a saliva e o enigma
Entre o punir e o remido
Como eu estendido nesse
Sumidouro de vogais

Foi quando eu
Do triângulo primeiro
Em cujo vértice está
O absoluto de além horizonte
E em cuja base se opõem
Céu e terra no aquém horizonte
Me fiz noite e dia e solitário
Fustiguei a necessidade
E vi suas trinta e duas mil
Costelas alumiadas
Entre o dormir e o dormido
Como eu estendido nesse
Semeadouro de eras

Foi quando o
Andarilho das Guaribas
Disse em meu ouvido
Que eu tinha que ter
Pelo menos uma porca
Pois se assim não fosse eu
Não valeria nem uma porca
E das metamorfoses
Despencaram insolventes
Ferrolhos e fechaduras
Entre o banir e o preferido
Como eu estendido nesse
Escoadouro de chagas

Então vieram
As chagas que perambulam
E a lonjura inacessível
Dos abandonados
E todo o suor em litros
E toda modorra em quilos
E o silêncio e a velhice das vozes
Mais pesadas do que ele
E eu tripartido em suportar
O cadáver do reino
Entre o parir e o prometido
Como eu estendido nesse
Logradouro de glórias

E eu sentei
Toda a minha sina
Nos degraus das
Escadas flutuantes
E vi anjos e arcanjos
E senti toda a frieza mórbida
Dos metais e toda a leveza
Translúcida dos voláteis
E vi o sorriso da sentença
Proferida ao sacrifício
Entre o surgir e o sugerido
Como eu estendido nesse
Criadouro de origens

Todo aquele
Que bate nos pregos
Pontudos e solitários que
Cravejam o grande portão da fé
Sente estremecer a carne
Frouxa sobre os ossos
Todo aquele que se põe
Rente ao chão sente o bafejo
Do mijo das hienas e a
Incredulidade das serpentes
Entre o possuir e o possuído
Como eu estendido nesse
Bebedouro de lágrimas

Diga lá agora que
Sou eu na velha estrada
Com carne seca e farinha
Em meu bisaco e no rosário
Três novenas bem sortidas
Capazes de amarrarem mais de três
Mil espíritos zombeteiros
No cruzeiro primordial
Diga que eu acredito em quem
Se banha na saliva da reza
Entre o nutrir e o apodrecido
Como eu estendido nesse
Lavadouro de expias

O nome da fonte
Essa que jorra além da sede
É impronunciável
Essa em que os refugos
Procriam refúgios e
Todas as borboletas sutis
Assediam todos os
Fungos parafusados
Na cópula dos flagelados
Sob a árvore frondosa
Entre o surgir e o sugerido
Como eu estendido nesse
Depuradouro de urtigas

O nome da fonte
Essa que ri um rio silencioso
Que banha as chagas
Do charco imóvel e
Que provê a leveza azul
Dos peixes multiplicados
É vertiginoso como a
Divina dádiva que eleva
As dores da adoração
Entre o ungir e o ungido
Como eu estendido nesse
Secadouro de lástimas

8 comentários:

Domingos Barroso disse...

Que poema!
Esbravejá-lo! Esbravejá-lo!

Marcos Vinícius Leonel disse...

Valeu Domingos
Vindo de um poeta como você
isso é muito gratificante

Lupeu Lacerda disse...

caralho!
pareçe uma reza:
vejo um velho, de barba rala
um pedaço de pau na mão
gritando sozinho em cima de uma pedra.
aos seus pés, calangos e ossos de bois.
voçê não é um poeta man,
você é "o" poeta.
um grande abraço meu camarada.

Marcos Vinícius Leonel disse...

Valeu The Lupas
você tá no gás
e isso é sinal que
teremos arte total
Um abraço
Irmão

Anônimo disse...

Para que te quero, Cariricult?

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

O Cariricult passou por uma tempestade tropical de princípio de verão e amanheceu dando vida por todo os lados. Uma vida própria, cada vez que penso numa cultura deste centro de sertão, imagino em algo que tem guaribas, carne seca, farinha e seres mutantes. Tem conselheiros e arrebanhadores, tem plantadores e colhederos. Tem um grito para avisar que o que parece ser há muito que já não é. E mais ainda, o que já não é, é lembrança que volta para assombrar a lógica ferramental destas urbes folgazãs do litoral

Marcos Vinícius Leonel disse...

Valeu,
seu anônimo,
um abraço!
Eu quero o cariricult
pra fazer arte e polêmica.

Marcos Vinícius Leonel disse...

José, meu caro,
já disse uma vez,
vou repetir,
seus comentários sempre Valem.
Um abraço