TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 21 de abril de 2008


Na manhã do terceiro dia na cadeia Diogo percebeu que não era sonho. As grades eram reais. As paredes rabiscadas com nomes de mulheres. Poemas falando de bocetas, paus, cús. Tudo real. Resolveu dar uma geral nele mesmo: pés descalços, um deles seriamente machucado. Pernas nuas. Um corte superficial na canela direita. Joelhos ralados. Coxas com manchas arroxeadas. Uma cueca azul. Tórax com várias escoriações. Braços inteiros. Mãos inchadas. Pulsos com marcas azuladas. Cabeça raspada. Olho direito parcialmente fechado. Olho direito aparentemente bom. Lábios cortados quase na totalidade. Dois dentes moles. Depois do balanço, as perguntas: porque tinha sido preso? Porque tinha apanhado tanto? Quem eram aquelas pessoas que estavam na cela? Onde era aquela cela? Em que merda de lugar do universo ele estava?
- Senhor Diogo Alvarado! (O policial não parecia estar de bom humor)
- Tem algum Diogo Alvarado aqui? (a impaciência do policial era quase visível)
- Sim senhor... (a subserviência, sempre a subserviência frente ao inusitado).
- Porque não respondeu logo seu filho da puta? (o poder, a vontade de poder).
- É que eu ainda estou meio zonzo senhor... Porque eu to aqui? O que eu fiz? (o medo, o medo, o medo...).
- Eu faço perguntas, entendeu? Eu faço perguntas e você responde de imediato entendeu seu corno? (o primeiro tapa estala no ouvido de Diogo), eu sempre faço perguntas e você sempre responde com a maior rapidez possível, entendeu seu filho de uma puta nojento? (o chute bate no saco de Diogo que cai aos pés do policial)
- Diog...
- Sim senhor ( a resposta imediata)
- Você está sendo acusado de...
- Fui eu! Com certeza fui eu ( a rapidez necessária)
- trouxe aqui estes papéis para você assinar a con...
- O senhor pode me passar à caneta? Por favor? Em três vias?
Diogo Alvarado passou onze anos preso. Deixou de se perguntar o que tinha feito, ou a quem. No dia que foi liberado saiu sem olhar para trás. Não sabe quem o batia. Não olhava pra cima. Não sabe que cidade é essa, simplesmente foi na rodoviária, comprou uma passagem e se mudou. Se tinha família, desistiu de tentar saber. Amigos, coisas, amantes... Não sabe. Quando o ônibus parou em uma cidadezinha serrana para abastecer ele desceu. Sentou na praça. Decidiu ficar. Ficou tanto tempo naquela praça que foi confundido com uma estátua. No dia que andou, assustou os passarinhos. Decidiu não mais andar. Petrificou-se. O prefeito mandou botar uma placa. Mas todo mundo só o conhece como a estátua que andou. No dia em que se auto-petrificou, Diogo riu. Mas igual à mona lisa, ninguém sabe do que ele riu. Talvez nem ele.

4 comentários:

Glória disse...

Lupinha, meu lindo. Voce sempre se supera. Dessa vez mostra com clareza o que nós sabemos, a precaridade de justiça, o pouco caso com brasileiros pobres nas penitenciárias desse mundo chamado Brasil. Eu amei o texto. Você é uma fonte que nunca seca. Um beijo na boca !

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

O Lupeu tocou num tema que nos idos da ditadura militar era preciso. Agora com a "democracia política", o arraso social e econômico, esse tipo de tema pareceu desfocado. Qual o quê? O Lupeu não é estátua e nem nada, ele é de carne e osso, esperneia, abre o verbo e diz tudo. Agora dito: a democracia é algo muito além do que este club fashion e o ar condicionado dos shopping dizem. Triste de quem não leu o escrito do Lupeu. Que pena que o Cariricult seja apenas para quem tem grana para comprar um computador e navegar na internet. Apenas pena, pois pena seria não dizer o que foi dito.

Marcos Vinícius Leonel disse...

tava aonde cara?
aliás, não precisa dizer, basta escrever, nem que seja de vez em quando...
um abraço irmão

Lupeu Lacerda disse...

glory
valeu pelo "fonte que nunca seca"
a verdade é que fico puto com cadeias e quejandos.

zé do vale, que entende além do entendimento. engraçado? é que eu escrevendo, e você lendo tivemos o mesmo insight. buenas, somos da mesma tribo.
um grande abraço.

leonel lobisomem
um grande abraço proçê meu mano.