O mundo se refizera, magicamente, com a chegada das primeiras águas. As árvores trajavam vestido novo. Os pássaros anunciavam aos quatro ventos a chegada da boa nova, num canto de anunciação. Os semblantes molhavam-se também do verde da esperança. O velho recolhido na concha da rede, súbito, ressuscitou com a natureza. Juntou um pouco do ar que lhe restava e sussurrou aos filhos, telegraficamente, aquelas que se prenunciavam suas últimas palavras:
--- Basta! ... parem os remédios...façam minha vontade...me levem para o Mocotó !
O menino, sorrateiramente, se escondia por entre as bananeiras, enquanto ouvia um bulício , uma algazarra para o lado do açude da fazenda. As folhas úmidas das últimas chuvas lhe encharcavam o corpo ternamente. Baleadeira a tiracoclo, umas duas rolhinhas no embornal, se foi serpenteando por entre as folhas e flores. O jasmineiro incensava o mundo com um perfume inconfundível. Finalmente, por trás de um cambuí, conseguiu observar a imagem que nunca mais lhe saiu da lembrança. Meninas púberes, com seios rijos e os primeiros pelos enegrecendo os delicados montinhos , saltitavam no meio das águas. O menino , embevecido, teve sua primeira revelação : descobriu que o prazer é líquido.
O homem contemplava a vida ao derredor com um ar desesperado. Aquilo que um dia tinha sido uma aquarela, hoje, tomara um tom gris, transformara-se em nanquim. Um único juazeiro, à beira do rio totalmente seco, teimava em manter o verdor passado. Só. Carcaças da criação, ossos reluzentes, tremulavam ao sol inclemente, decorando de forma irregular o chão da fazenda . Couros espichados em varas faziam-se bandeiras desfraldadas da morte. Recendia por todos poros do universo um distante ar de decomposição. Dissolvia-se a paisagem, fundiam-se faces esquálidas, como bonecos de neve expostos ao sol. Na sala da casa da fazenda um caixão de um azul celeste abrigava um anjinho no seu último leito. Duas velas procuravam atônitas o acompanhamento de algumas lágrimas que escorriam languidamente de olhos cansados de dissolução. O homem mal percebeu o contraste. Em meio à paisagem áspera e ressequida, a vida refazia-se amorfa e gelatinosa.
As árvores se despiam das suas folhas e lançavam suas vestes por sobre os caminhos , atapetando as veredas e trilhas com uma colcha de retalhos multicolorida. O sensual strip-tease arrebatou o rapazinho. As visíveis mudanças do tempo se antenavam com suas profundas transformações interiores. A natureza estendia seu tapete que como que lhe abrindo estradas inúmeras e possíveis a seguir, a trilhar. Teria, como a Chapeuzinho Vermelho, que escolher entre o caminho da floresta , o do rio ou tantos, tantos outros igualmente inseguros e arriscados e sempre com o encontro inevitável com o lobo, no final. Trazia ainda na boca o gosto do beijo da namorada e nos dedos a memória olfativa do passeio por relevos e depressões úmidas, aquele cheiro tesudo que jamais evaporaria de suas mãos, emprenhando sua vida de vontade e cio. Olhou ,detalhadamente, o manto colorido das folhas e seguiu o canto da sereia. A existência, mais que nuca lhe pareceu firme, sólida, como o falus que carregava incomodamente entre as pernas.
O velho fitou delicadamente a promessa de paisagem verde que se estendia, a não mais se ver, da varanda da casa do Mocotó. Repolteado numa preguiçosa, contemplou o cajueiro fartamente florido e comentou a abundância da safra vindoura. O bem-te-vi lhe entoou um canto familiar de alvíssaras. O pequizeiro já pendia com os frutos pequeninos e a boca se encheu de água na perspectiva do baião-de-dois futuro. A chuvinha fina da noite umedecendo o esterco no curral reacendeu no mundo aquele cheiro de campo. Os bezerros amarrados aos pés das vacas, na ordenha , preenchiam a fazenda com seus berros pidões. Num esgar de felicidade, os olhos do velho enevoaram-se .Aos poucos, ele foi percebendo o caráter volátil e gasoso da vida que ciclou, como toda natureza, entre solstícios e equinócios.
J. Flávio Vieira
--- Basta! ... parem os remédios...façam minha vontade...me levem para o Mocotó !
O menino, sorrateiramente, se escondia por entre as bananeiras, enquanto ouvia um bulício , uma algazarra para o lado do açude da fazenda. As folhas úmidas das últimas chuvas lhe encharcavam o corpo ternamente. Baleadeira a tiracoclo, umas duas rolhinhas no embornal, se foi serpenteando por entre as folhas e flores. O jasmineiro incensava o mundo com um perfume inconfundível. Finalmente, por trás de um cambuí, conseguiu observar a imagem que nunca mais lhe saiu da lembrança. Meninas púberes, com seios rijos e os primeiros pelos enegrecendo os delicados montinhos , saltitavam no meio das águas. O menino , embevecido, teve sua primeira revelação : descobriu que o prazer é líquido.
O homem contemplava a vida ao derredor com um ar desesperado. Aquilo que um dia tinha sido uma aquarela, hoje, tomara um tom gris, transformara-se em nanquim. Um único juazeiro, à beira do rio totalmente seco, teimava em manter o verdor passado. Só. Carcaças da criação, ossos reluzentes, tremulavam ao sol inclemente, decorando de forma irregular o chão da fazenda . Couros espichados em varas faziam-se bandeiras desfraldadas da morte. Recendia por todos poros do universo um distante ar de decomposição. Dissolvia-se a paisagem, fundiam-se faces esquálidas, como bonecos de neve expostos ao sol. Na sala da casa da fazenda um caixão de um azul celeste abrigava um anjinho no seu último leito. Duas velas procuravam atônitas o acompanhamento de algumas lágrimas que escorriam languidamente de olhos cansados de dissolução. O homem mal percebeu o contraste. Em meio à paisagem áspera e ressequida, a vida refazia-se amorfa e gelatinosa.
As árvores se despiam das suas folhas e lançavam suas vestes por sobre os caminhos , atapetando as veredas e trilhas com uma colcha de retalhos multicolorida. O sensual strip-tease arrebatou o rapazinho. As visíveis mudanças do tempo se antenavam com suas profundas transformações interiores. A natureza estendia seu tapete que como que lhe abrindo estradas inúmeras e possíveis a seguir, a trilhar. Teria, como a Chapeuzinho Vermelho, que escolher entre o caminho da floresta , o do rio ou tantos, tantos outros igualmente inseguros e arriscados e sempre com o encontro inevitável com o lobo, no final. Trazia ainda na boca o gosto do beijo da namorada e nos dedos a memória olfativa do passeio por relevos e depressões úmidas, aquele cheiro tesudo que jamais evaporaria de suas mãos, emprenhando sua vida de vontade e cio. Olhou ,detalhadamente, o manto colorido das folhas e seguiu o canto da sereia. A existência, mais que nuca lhe pareceu firme, sólida, como o falus que carregava incomodamente entre as pernas.
O velho fitou delicadamente a promessa de paisagem verde que se estendia, a não mais se ver, da varanda da casa do Mocotó. Repolteado numa preguiçosa, contemplou o cajueiro fartamente florido e comentou a abundância da safra vindoura. O bem-te-vi lhe entoou um canto familiar de alvíssaras. O pequizeiro já pendia com os frutos pequeninos e a boca se encheu de água na perspectiva do baião-de-dois futuro. A chuvinha fina da noite umedecendo o esterco no curral reacendeu no mundo aquele cheiro de campo. Os bezerros amarrados aos pés das vacas, na ordenha , preenchiam a fazenda com seus berros pidões. Num esgar de felicidade, os olhos do velho enevoaram-se .Aos poucos, ele foi percebendo o caráter volátil e gasoso da vida que ciclou, como toda natureza, entre solstícios e equinócios.
J. Flávio Vieira
3 comentários:
Telúrica reminiscência em meus poros!
Deu pra sentir os perfumes
e a temperatura.
Abraços.
Muita gente escreve estórias muito bem. Mas só existe um Zé Flávio Vieira desses no mundo!
Abraços, amigo!
P.S - Preciso pegar uma receita e vc trabalha de manhã. Posso pegar em sua casa ?
Obrigado pelas palavrasa carinhosas do nosso poeta Domingos Barroso e do Dihelson. Dihelson, estou viajando para o Recife às 13 e só retorno na segunda
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