TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 25 de maio de 2009

SOFIA, AS ÁGUAS E A ACELERAÇÃO DE CONTRACORRENTE.

Enquanto natureza fluida, a água se acomoda ao continente. Toma-lhe a forma e o engana. Força erosiva, deforma o continente, dando-lhe nova geometria, por vezes quase fractais, como uma vontade que esculpe. Numa correnteza do canal de Marapendi, na Barra da Tijuca, Sofia flutuou sobre as águas.

Não se diz que Sofia simplesmente flutuou e tal verbo explique todo o evento. É que Sofia se aproximou da ponte do ancoradouro. Em declive até a parte móvel em que a superfície da água dinamiza com o mínimo ondulamento da correnteza e nivela o porto como a natureza de maré. Sofia, por uma fração de tempo, esteve no insustentável desta dinâmica.

Um avô, entre a prática que assegura muito e o desfecho no qual tudo poderia se precipitar, pula no barco e no limite do certo e errado, procura sustentar os eventos em fase de acontecer. E que eventos! Vem Sofia pelos braços da avó, este universo seminal, o começo da eternidade sobre a crosta da terra. O amor não é apenas um desejo, é a produção da eternidade.

Finalmente Sofia, sobre as pernas da avó e esta sobre um banco que balança na barca flutuante, examina a água. E o barco lentamente começa a mover-se. Um pouco depois mais acelerado e num crescente na contracorrenteza das águas do canal de Marapendi. E eis que o mundo todo se modifica.

Sofia vai abrindo um sorriso de mundo em criação. Seus olhos brilham como as luzes dos primeiros segundos das primeiras manhãs. Um riso tão pleno de amor pelos eventos que estes se dão sentido humano além de tudo. Do rosto de Sofia uma inocência que não interpreta por fases e nem por períodos, ele é um todo do tamanho do espaço e do tempo.

A travessia é breve, mas o sorriso de Sofia fala de toda a história da humanidade. Do ânimo que o movimento transfere da correnteza e do barco até o rosto da criança. Sobre as pernas da avó, com o riso que só o avô navegou, pois ela baixou a cabeça enquanto seu rosto se misturava na aceleração do barco e da natureza fluida da água.

Naquele momento, algo muito especial ocorreu no Canal de Marapendi. Não apenas pela singularidade, mas exatamente pela coletividade de tudo. Sofia interpretou a natureza humana através do movimento acelerado sobre a correnteza tíbia das águas e sua profundidade afogadiça.

Um comentário:

Domingos Barroso disse...

Tudo muito mágico,
tudo muito belo.
Abraço-te com intensa
amizade poética -
José do Vale Pinheiro Feitosa.