TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 1 de maio de 2010

Coração Ateu

Um poema de amor
(diz quem ama)
escreve-se sonhando.

Deixei há muito tempo
os sonhos de molho
dentro do copo de vidro
juntamente com a dentadura
da minha vozinha querida.

Não tenho forças
para escrever um poema

desses que arrebatam
a alma do solitário

e faz nascer um risinho torpe
no canto dos lábios daquele
sujeito sortudo:

ao dia febre
à noite língua de namorada.

Até esqueci as palavras
as imagens, o ritmo
matéria delicada
ao escrever um poema
desses que levam o incrédulo
a morrer às gargalhadas.

Poema de amor deve-se (creio)
escrever chorando com o soluço
acorrentado no meio da garganta.

Ninguém deve ouvir
as loucas batidas do peito.

Nem a sombra dos dedos
deve estar próxima.

É um tipo de extermínio
próprio, individual, oculto.

Diz quem ama,
escrito um poema de amor
todo feriado é santo
todo repouso é sagrado.

Batalhas somente
nos braços da amada.

(Aquele sinal
marca de vacina)

Sinto, mas não tenho forças
para escrever um poema de amor.

Mesmo porque há muito tempo
esqueci o copinho de vidro
(com todos os sonhos dentro)
sobre a penteadeira
do guarda-roupa.

A dentadura?
Lembro-me agora:
a vozinha querida
levou ao túmulo.

2 comentários:

Pachelly Jamacaru disse...

Que saque poético! Muito legal!

Abraços

Domingos Barroso disse...

Mago Pachelly,
um forte abraço.

Que teu som permaneça
uma eterna Alquimia!