TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O Paraíso de Vittorio Di Maio


"O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus."

(Federico Fellini)

Idos de 1926, Fortaleza. Praça do Ferreira, o coração da capital cearense. À tarde um velhinho , carregando tropegamente o peso dos seus setenta e quatro verões, pobremente vestido, tentava evitar a queda que se prenunciava a cada passo dado, arrimando-se numa tosca bengala. De repente, a gravidade, por fim, fez valer a sua força e o ancião tomba na calçada do antigo “Art Noveau”. Os transeuntes demoraram a perceber que não se tratava de um tombo qualquer, aos poucos , desinteressadamente, notaram: o velhinho não mais fazia parte do mundo dos vivos, fora fulminado por um ataque cardíaco. Ali permaneceu, exposto à curiosidade pública, totalmente anônimo e desprovido de recursos, uma das mais históricas figuras da cultura brasileira. Por ironia do destino,pobre, findava seus dias na mesma calçada em que deu à luz à sétima arte em terras de Alencar.

Chamava-se Vittório di Maio. Nascera em Nápoles na Itália em 1852. Sabe-se lá porque aportou no Brasil, o certo é que por aqui chegou em fins do Século XIX. Os primórdios do Cinema tinham acontecido em Paris em 1895, com os Irmãos Lumière e no ano seguinte já se tinha repetido a experiência inovadora no Rio de Janeiro. O Cinema nacional, no entanto, começaria com aquele napolitano magricela. Em 1º. De Maio de 1897, na Cidade de Petrópolis, no Teatro Cassino-Fluminense, Vittorio di Maio, exibiu, no seu “Cinematógrafo”, os primeiros filmes feitos em terras tupiniquins. Quatro Curtas-Metragens, neles apareciam: uma artista circence, uma apresentação infantil de um colégio do Andaraí, o terminal de bondes de Botafogo e a chegada de um trem na estação de Petrópolis. Di Maio fez-se expositor ambulante, mas fundou Cinemas em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul , na Bahia e os vento do destino terminaram por ligá-lo definitivamente ao Ceará. Vittorio talvez tenha sido levado a interiorizar a sétima arte por conta da forte concorrência que terminou surgindo no Sul e Sudeste, só na década seguinte à apresentação pioneira e histórica de Petrópolis surgiram mais de 20 salas de espetáculos no Rio e outras tantas em Sâo Paulo.

O certo é que Di Maio chegou em terras cearenses em 1907. Por aqui já se ensaiavam, na capital, os primeiros rudimentos de Cinema : o Bioscópio que foi introduzido em Fortaleza por um outro italiano : chamado Paschoal. Ele exibia pequenos rudimentos cinematográficos como : “Jubileu da Rainha Vitória” e “Os Pombos de São Marcos”. Outros Bioscópios se seguiram : um trazido por Arlindo Costa, colocado num paredão existente na Rua Major Facundo; um outro na Praça do Ferreira e outro num prédio onde depois funcionou a Faculdade de Farmácia do Ceará. No Crato, no mesmo período, aqui já chegou a novidade, trazida por Luiz Gonzaga – o Gozaguinha que foi o nosso primeiro fotógrafo . Gonzaguinha fora a Fortaleza comprar material fotográfico e trouxe a novidade para o Crato. Instalou a “Lanterna Mágica” na primeira sede do Grupo Teatral “Os Romeiros do Porvir” que fora fundado por Soriano de Albuquerque em 1902 e de que Gonzaguinha fazia parte. A sede existia num casarão da Rua Miguel Limaverde e causou frisson na cidade, uma vez que a magia tinha que acontecer no escuro e facilitava os namoros, as apalpadelas, numa vila ainda profundamente provinciana.

Pois no mesmo 1907, Di Maio, trazia consigo uma verdadeira evolução da sétima arte : “O Animatógrafo” e fundou, em Fortaleza, o nosso primeiro Cinema ,nos fundos da Maison Art Nouveau, no mesmo local onde, vinte anos depois , cairia fulminado pelo enfarte. Em 1909 duas outras salas foram erguidas em Fortaleza : o Cine Rio Branco, por Henrique Mesiano e o Cassino Cearense por Júlio Pinto.

Há exatos cem anos, em 03 de junho de 1911, Di Maio ligou definitivamente seu nome à história do Cariri, inaugurando em Crato o “Cinema Paraíso”, o primeiro de todo interior do Ceará. Apenas dezesseis anos após a primeira exibição mundial de um filme, o Crato já possuia um cinema. A sala situava-se na Praça da Sé, defronte ao prédio do Museu, onde antigamente funcionou a Biblioteca Municipal e, ultimamente, uma botique e os bares “Guardinha” e “João Penca”. A tela ficava do lado oposto ao do Museu e a sala de projeção num sobrado pequenino que olha para a Fundação J. De Figueiredo Filho. Segundo Florisval Mattos : “inaugurou o cinema Paraíso o filme Borboletas Douradas. Um dos assistentes contou-me que as borboletas apareciam voando, e, quando pousavam, invés de borboletas eram mulheres…”.

O Cinema marcou definitivamente a vida da nossa cidade. Foi o primeiro veículo de mídia visual que tivemos. Sucederam-se outras salas de espetáculos: O Cassino Sul Americano em 1918, O Cine Moderno em 1934 , o Cine Araripe nos Anos 50 e o Cine Educadora já nos anos 60. Di Maio nem percebeu, em vida, a revolução que trouxe para as terras de Frei Carlos. De repente a magia começou a nos despertar para o mundo com suas possibilidades e complexidades. Mudaram os costumes, o escurinho propiciou todo um clima para os namoricos dos nossos avós. Muitas gerações terminaram profundamente marcadas pelo encanto da telona, basta ver a invejável quantidade de cineastras que saíram das terras de Frei Carlos : Hélder Martins, Ronaldo Correia de Brito, Jéfferson Albuquerque,Francisco Assis, Hermano Penna, Rosemberg Cariri, Luiz Carlos Salatiel, Bola Bantim, Pedro Ernesto Osterne, Petrus Cariri, José Roberto França,Glauco Lobo, Virgínia, Fernando Garcia, Francioli Luciano, Wanderley Vancillus,Franklin Lacerda, Alexandre Lucas, Émerson Monteiro, Luiz José e tantos, tantos outros.

Hoje a cidade que foi o berço do cinema em todo interior do estado, não possui mais uma sala de espetáculo sequer. O cinema hoje é para ser apreciado por uma elite nas fechadas salas de shopping ou sob a redução impensável do DVD e do Blue-Ray.Di Maio foi totalmente esquecido por uma região que tem uma amnésia toda preferencial por nossos vultos realmente importantes. A maior homenagem que podemos prestar a Di Maio neste centenário do cinema no Cariri seria reabrir nosso novo Cine Teatro Moderno para exibição de filmes clássicos nacionais e estrangeiros, com porta aberta. Aí, quem sabe assim , o filme da nossa cidade terminasse com um final apoteótico e feliz e o Cinema Paraíso , cem anos depois, nos transformasse numa Cidade Paraíso.

J. Flávio Vieira

2 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Zé, um grande abraço pelo texto. Não é mera juntada, tem uma vida, uma história, uma moral a ser definida e mais uma mobilização.

jflavio disse...

abraço ao Zé um cinéfilo de primeiro momento, velho apreciador das sessões das 4 no Cassino e Moderno.