TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE
sábado, 28 de julho de 2007
Grafites
Na entrada da Gruta do Sol, na Chapada da Diamantina, na Bahia, existe todo um paredão pictografado com impressionantes pinturas rupestres. Algumas , como uma mandala, gravada em quatro cores, enche os olhos de quem as vê. E lá estão postas, numa galeria toda especial, há pelo menos 10.000 anos Há desenhos que sugerem uma agenda , com inúmeros tracinhos empilhados , como se demarcando dias ou produtos de caça. Algumas figuras de animais e uns outros traços de espirais.Outras escrituras diversas existem aqui no Cariri, em Ingá, na Paraíba, no Amazonas. Que recado nossos irmãos primitivos desejavam deixar para a posteridade ?Certamente, de alguma maneira, gritavam para as gerações vindouras: Aqui estivemos ! Vivemos nestas terras, não nos esqueçam! É que não tinham quaisquer outras maneiras de registrar sua presença num mundo: sem escrita, sem TV, sem fotografia, sem cinema , sem internet. Aquela lhes pareceu a única possibilidade de deixar, para o futuro, alguma imagem que demarcasse sua presença nesta terra. Armstrong não fez muito diferente ao deixar a pegada do homem na lua e os alpinistas também fincam a bandeira de seus países nos picos mais inacessíveis . Os adolescentes grafitam os prédios mais altos para desespero dos proprietários, no intuito de afirmar : eu posso ! Mas , também , bravejam : Veja, estou vivo e sou capaz disso! Os enamorados gravam seus nomes nas árvores, no meio de um coração trespassado por uma seta de cupido, pretendendo mostrar para o mundo a força de seu amor, mas também para lhes imprimir um certo ar de eternidade.
Se repararmos bem, todas as nossas grandes ações, neste planeta, buscam, no fundo, a imortalidade. É que a vida é tão curta, de percurso tão frágil e imprevisível que todos , de alguma maneira, ensaiam deixar sua marca , seu registro, numa tentativa, última de eternizar-se. O escritor que publica o livro, o monge que ora no mosteiro, o pintor que expõe sua aquarela, o músico que compõe sua sinfonia , todos intimamente, pretendem, por caminhos diversos, sobreviver por aqui ,além da brevidade inevitável da vida. O empresário que constrói o arranha-céu, a grã-fina que compra a Hylux nova, o político que põe o próprio nome na rua recém construída , todos esforçam-se por saltar o caudaloso rio da morte e do esquecimento. Algumas vezes se utilizam até estratagemas terríveis: matam-se pessoas famosas, empreendem-se chacinas e guerras genocidas, no intuito de imprimir o nome no livro da história, mesmo que seja na página policial. Há em todos a vã esperança que será possível vencer e morte física através de nossos atos . Nosso pretensão não é muito diferente do faraó que construía a pirâmide e se acercava de todos seus utensílios terrenos, na certeza de que no outro mundo teria uma vida muito parecida com a que levou aqui embaixo.
O certo é que todos grafamos, cada um a seu modo, nossos pictogramas no paredão do nossa época.Alguns destes desenhos, como os da Gruta do Sol, resistirão aos anos e às intempéries, mas apenas legarão à posteridade vagas informações daquilo que um dia fomos e pensamos. Nossa individualidade esfumaça-se com a nossa partida. Podem ficar alguns poucos indícios do crime perpetrado, mas, no final a morte sempre ganha a questão e o esquecimento será sempre o desenho derradeiro que ficará aposto na gruta da vida , sempre esmaecido diuturnamente pelo apagador do tempo que prepara o quadro para ser pintado pelas gerações vindouras...
J. Flávio
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3 comentários:
Nós pintamos...o sete, recitamos o oito, fotografamos o nove, cantamos o dez, filmamos o onze, dançamos o doze... e por aí vai! A arte é o nosso jeito de vencer a morte.
Um grande abraço,
Salatiel
A arte?! Ela se esconde dos meus olhos cegos...mas entra atrevidamente no meu coração e espera minha alma, que viaja, tentando entendê-la!
Salatiel, acho que esse anônimo é tão visível nos seus comentários, como a garoa é o perfil de São Paulo!
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