Certa noite, no início dos anos noventa, eu, Salatiel e Geraldo Urano, nos reunimos no apartamento de Salatiel, para assistir o documentário “blues”, de Valter Salles Jr., transmitido pela Rede Manchete. O documentário trazia depoimentos e performances de velhos blueseiros norte-americanos, todos desconhecidos da mídia. Emocionados com o que vimos, decidimos esticar a noite no restaurante Pau do Guarda, para beber e papear (Geraldo Urano bebeu Cola-Cola, sua bebida preferida). Aquele documentário mexeu profundamente com a gente, pois não conseguíamos sair do êxtase que se instaurou naquela noite.
Quando cheguei em casa, já no início da madrugada, escrevi uma letra inspirada naquele acontecimento. No dia seguinte, bem cedo, entreguei-a a Geraldo, que passou uma semana para devolver-me cantarolada (Geraldo a compôs sem auxílio de instrumento musical, mas somente com o coração, memorizando a melodia).
A música, anos depois, em 1995, foi classificada no histórico CHAMA (Chapada Musical do Araripe), que aconteceu no antigo aeroporto do Crato, em cima da Serra. Foi defendida, numa bela noite de lua cheia, pela banda Nacacunda (Eu, voz; Marcos Leonel, Luís Carlos Saraiva e Calazans Callou, guitarras, Igor Rocha, baixo; Cacheado, bateria e Antonio Carlos, percussão, com participação de Dihelson Mendonça, no teclado).
Apresentamos a música na noite que Hermeto Pascoal e grupo se apresentaram. Por conta disso, encontramos, nos camarins, Itiberê Zwarg, Carlos Malta e Márcio Bahia, respectivamente baixista, saxofonista e baterista do grupo de Hermeto, com os quais conversamos animadamente por alguns momentos. Lembro de Itiberê revelando que a profissão de músico lhe presenteava momentos como aquele, “num lugar bonito como esse, apreciando essa deliciosa bebida” (Itiberê bebericava uma dose de Xá-de-Flor, cachaça temperada feita pelo alquimista Blandino Lobo).
Por conta dessa agradável memória, transcrevo a letra da música, intitulada Serpentes na Noite (uma referência ao signo do zodíaco chinês, que eu, Geraldo e Salatiel temos em comum).
Baby, quero lhe dizer algo importante
Quando mais se cresce menor se fica
É o doce mistério da vida
E não há outra saída
Que não seja a porta dos fundos
Por onde você também pode entrar
Somos serpentes na noite
E isso é um tanto perigoso
É muito bom!
Já tomamos de tudo
Mas nada nos pegou
Se você quer me ver feliz
Toque um pouco de blues
Pinte a vida de azul
Sim, eu sou apenas um cantor de blues
Levando a vida num pagode
Mas sei que sou um rapaz de sorte
E sei que a morte
É só o último acorde de um blues
3 comentários:
Que letra mais linda?! Nem eu sabia...A mais idosa de todos ! Risos.meu Crato antigo é antes de vocês, mas fui também de vocês, o tempo todo.Agora , asilada no mundo da poesia, ainda procuro no olhar, nosso luar de agôsto!
Você me fez chorar, camarada!
Momentos inesqueciveis nós vivemos! Como negar a vida?
Um abraço fraterno,
Salatiel
esta música tava num dadueles zines que li e que me jogaram nesse turbilhão.
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