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terça-feira, 13 de novembro de 2007

O livro O Joaseiro Celeste, tese de doutorado do professor Francisco Salatiel, foi destaque no "Diário do Nordeste", de Fortaleza, edição de 13-11-2007. Com direito a figurar como a enquente do dia dojornal. Confira abaixo:
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Você concorda com o pesquisador que acha que a Igreja deve desculpas à memória do Padre Cícero?




Padre Cícero

Antropólogo questiona pedido de reabilitação

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Salatiel de Alencar afirma que Padre Cícero antecipou a opção preferencial pelos pobres (Foto: Antônio Vicelmo)

Uma nova interpretação sobre o pedido de reabilitação do Padre Cícero é defendida por antropólogo



Crato. “Não é o Padre Cícero que deve ser reabilitado. É a Igreja Católica que tem a obrigação de reconhecer o erro cometido no processo de julgamento dele e se reconciliar perante os romeiros”. A declaração é do padre Francisco Salatiel de Alencar Barbosa, que deixou a batina para casar. Ele é doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB) e autor de uma tese sobre romarias, que foi transformada em livro. A obra será lançada no Memorial Padre Cícero, no município de Juazeiro do Norte.

A interpretação do antropólogo questiona o processo de reabilitação, em tramitação no Vaticano, encaminhado pela Diocese do Crato.

Salatiel fundamenta o seu posicionamento dizendo que as sanções disciplinares impostas ao Padre Cícero foram feitas dentro de um contexto de igreja que mudou. Hoje a percepção do trabalho pastoral desenvolvido por ele é diferente.

O pesquisador apresenta, como exemplo, a visão que se tem hoje sobre Antônio Conselheiro, líder do movimento messiânico que reuniu milhares de sertanejos no arraial de Canudos, no Nordeste da Bahia, à margem do Rio Vasa-Barris, onde resistiu às tropas do governo federal.

Para Salatiel, a pastoral do Padre Cícero deve ser comparada também com o trabalho missionário do Padre Ibiapina. Este foi o grande inspirador de uma pastoral ligada ao povo, que refletiu em Antônio Conselheiro, que o acompanhou durante algum tempo, e no próprio Padre Cícero que antecipou o que foi classificado, nos anos 60, de opção preferencial pelos pobres, defendida pela Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II.

Trabalho incompreendido

Segundo ele, tudo isso foi uma redescoberta de um contato com o povo e de uma valorização da religiosidade popular bem diferente dos cânones que ditavam a pastoral no século XIX e começo do século XX. Dentro dessa concepção, o antropólogo acha que o que está em jogo não é uma reavaliação do Padre Cícero, mas uma reavaliação processual da forma como a Igreja Católica viu um trabalho pastoral incompreendido na época.

Os documentos que o Vaticano dispõe, segundo Salatiel, se forem publicados, vão mostrar que não foi o Padre Cícero que provocou essa confusão disciplinar. Argumenta que os esforços que foram feitos por Dom Quintino, primeiro bispo do Crato, para a reabilitação do Padre Cícero junto a Roma, foram bloqueados na época.

O antropólogo faz outra revelação. Estes documentos podem ser divulgados em 2034, quando então serão comemorados os 100 anos de morte do Padre Cícero. “Mas o Papa Bento XVI, se quiser, pode antecipar, assim como aconteceu no relacionamento da Igreja com o nazismo”, afirma.

Acolhida e reconciliação

Salatiel lembra que, na ótica da instituição católica, a preocupação era muito mais com o poder do que com a acolhida, a reconciliação, como focaliza hoje o bispo da Diocese do Crato, dom Fernando Panico. “Isso é muito mais importante do que falar de uma reabilitação do Padre Cícero”, afirma o pesquisador.

Antônio Vicelmo
Repórter


SAIBA MAIS

Seminarista

Salatiel de Alencar Barbosa foi aluno do Colégio Diocesano e do Seminário São José, no Crato, tendo estudado ainda no Seminário da Prainha e na Universidade Gregoriana, em Roma. No Seminário do Crato, durante sua formação prebisteral, não se falava do bem do Padre Cícero. Em 1956, quando entrou no Seminário, foi lançado o opúsculo ´Apostolado do Embuste´, de autoria do padre Antônio Gomes de Araújo, que questionava os pretensos milagres de Juazeiro.

Convicção

O libelo do Padre Gomes contra o Padre Cícero levou o jovem seminarista a aprofundar os estudos sobre a questão religiosa de Juazeiro. Mais tarde, a família de Salatiel se deslocou de Araripe para Juazeiro onde fixou residência. A convivência com os romeiros e com o padre Murilo de Sá Barreto, então vigário da Matriz de Nossa Senhora das Dores, fortaleceu a sua convicção de que nem tudo que se dizia a favor e contra o Padre Cícero era verdade.

Religiosidade

Hoje, com 66 anos, casado, pai de duas filhas, o padre reacende as discussões em torno da religiosidade popular com a publicação de sua tese de doutorado que é resultante, não somente de uma experiência de vida, mas, sobretudo, da convivência com os romeiros. Salatiel acompanhou os devotos do Padre Cícero em ônibus e paus-de-arara, invadiu, com o acolhimento próprio do sertanejo, os lares dos romeiros para colher depoimentos e ouvir histórias de curas miraculosas.


´O Joaseiro Celeste´

Livro será lançado no próximo dia 15

Crato. O professor Francisco Salatiel de Alencar Barbosa encontra-se no Cariri com o objetivo de rever familiares e amigos, e fazer o lançamento do seu livro “O Joaseiro Celeste”, que será lançado no próximo dia 15, às 20h, no Memorial Padre Cícero, em Juazeiro do Norte.

A obra será apresentada também no dia 16 deste mês, durante as festividades do cinqüentenário de criação do distrito Ponta da Serra, no município do Crato.

Segundo o professor cratense, Vicente Madeira, da Universidade Católica de Petrópolis, o livro de Francisco Salatiel é resultado de muitos anos de pesquisa. “Pode ser considerado como produto de um longo processo de vida e de maturação intelectual. A publicação examina a busca de Deus pelo homem simples, pobre, desprotegido e explorado comercial e politicamente, até mesmo nesta procura de um espaço de expressão de sua fé que o purismo teológico pode não ter condições de perceber senão como uma crença”.

Certo e errado

A obra, segundo Madeira, supera a perspectiva tradicional da preocupação com o certo e o errado num pretenso julgamento histórico. É uma obra de reconciliação, que ultrapassa as demarcações de antigas contradições históricas numa síntese antropológica.

O professor Madeira adverte que talvez se decepcione aquele que procurar no livro a confirmação da velha postura do “a favor ou contra” de antigas e novas produções sobre a trilogia Juazeiro, Padre Cícero e seus romeiros .

A etnografia, segundo o autor, tem por objetivo apresentar os devotos do Padre Cícero como atores e protagonistas de romarias que se desenvolvem no palco da cidade santa de Juazeiro do Norte.

Nova Jerusalém

Nas falas dos romeiros registradas pelo pesquisador Salatiel e na linguagem do cordel, o “Joaseiro” é reconfigurado como uma “Nova Jerusalém”, Roma dos pobres e cidade celeste.

O antropólogo acrescenta que, neste espaço sagrado reconfigurado e nesta nova paisagem, Juazeiro do Norte se abre à intervenção divina e torna-se o centro do mundo, diante das manifestações romeiras.

E o tempo da salvação e da graça se faz também atual. Segundo ele, um hoje para aqueles que peregrinam e procuram sentido e motivos de esperança para as suas vidas.

“É um movimento ascensional que se desenha num espaço sagrado em construção. Como um livro em processo de escritura. Uma obra aberta e inacabada”, compara o professor.

4 comentários:

Karla disse...

Para a Socorro Moreira, li um comentário dela aqui nesse blog de um post em 14 de setembro sobre a romaria no Juazeiro que fala sobre o Cel. Mainha e cita passagem de um determinado livro. quero dizer que tbm descendo do mesmo, sou neta de Epifânio Maia de Meneses que descende do relacionamento do Cel. com uma das tias do Pe cícero!! Será se meu avô e sua avó era irmão ou primos sei lá.. o sobre nome é o mesmo!! qualquer coisa envia email para karla.janaisa@bol.com.br
Ahh e moro em Juazeiro.
Karla janaisa Maia

bjus

Carlos Rafael Dias disse...

Em primeiro, quero destacar a excelência dessa matéria, e assim manifestar congratulações ao repórter Antonio Vicelmo e ao enfocado, o antropólogo Francisco Salatiel.

Em segundo, acho muito pertinente que, vez por outra, venham à lume, novas teses sobre a questão do Padre Cícero, numa forma de renovarmos a discussão, visto que o que é heterodoxo hoje termina virando ortodoxo amanhã. Acho válido que, no momento em que se acha "revolucionário", (agora, diria "vanguardista"), a posição do senhor bispo diocesano de Crato, Dom Fernando Panico, em defender a reabilitação do injustiçado sacerdote,- Salatiel dê um passo à frente e defenda que a Igreja é quem deve se reabilitar.

Mas, em quarto, continuo realista, e acho que o estratégico agora é não dar um passo maior do que a perna.
Essa nova tese é fundamentada, mas ainda não é fundamental. Devemos apoiar a reabilitação já, para depois lutarmos pela santificação do Padre. Aí, nessa fase, a Igreja estará se reabilitando.

Por fim, não devemos esquecer nunca: o tempo da Igreja é diferente do tempo secular.

Este é o meu parecer,

SMJ!

jflavio disse...

Concordo plenamente com o Salatiel. A Igreja oficial opôs-se ao movimento messiânico de Juazeiro desde o início, havendo, inclusive, dissidências internas sobre o Milagre que se tivesse ocorrido na Europa , seria reconhecido imediatamente como tal.Em 1915 praticamente excominhou o Padre Cícero, pena que depois foi comutada para suspensão de ordens por conta da acirrada questão política local e risco de um holocausto clerical por parte dos Romeiros. Agora tenta reabilitar o Padre, a meu ver com dois intuitos. Primeiro : pastoralmente é impensável que a Igreja fique chutando um Santo Popular quando os Evangélicos estão crescendo assutadoramente justamente nesta fatia de fiéis. Segundo: pelas razões que sempre mais impulsionaram as ações da Igreja tradicional: Dinheiro. As Romarias deixam uma fortuna no Juazeiro e a Diocese simplesmente não via a cor do dinheiro. Quem tentou implodir a ponte catequética do Padre Cícero não tem o direito moral de cobrar o pedágio.

Sala de Imprensa disse...

REABILITAÇÃO DO PADRE CÍCERO

Por Adelmir Barbosa

Achei de extrema relevância as possibilidades de diálogos e discussões abertas a partir dessa matéria. De modo que gostaria muito de poder ter acesso ao livro para maiores informações e ampliação de conhecimentos acerca da questão em pauta.

Concordo plenamente que o Padre Cícero foi injustiçado em inúmeros aspectos, pela igreja local da época. Mas não creio que a igreja tenha agido de má fé nessas questões. Os seus métodos é que foram equivocados e até mesmo crueis; mas acredito que houve muita confusão, dúvidas e enganos no juizo de muitos clérigos, mas é que em se tratando de "coisas" divinas, é incomensuravelmente arriscado se fazer afirmações; principalmente no que diz respeito à milagres, afirmações de fé e confirmação de santidade.

Não é que a igreja não acredite na salvação do Padre Cícero. Afinal, todo aquele que alcança a vida bem aventurada ou seja, a salvação é consequentemente, santo. Creio que a igreja do crato sabe e crê nisso. No entanto, fazer afirmações de santificação é muito complicado, pois se trata de algo passível de erros. Por mais evidentes que sejam os traços de santidade presentes numa pessoa, haverá sempre uma centelha de dúvida produzida pela bidimensionalidade das motivações das ações humanas. Por melhores que sejamos, estará sempre presente em nós, os bons e os maus pensamentos e, consequentemente; as boas e más ações. É evidente que o importante é a opção que tomamos inclinando nossas ações para o bem ou para o mal.

Não quero dizer com isso que o Padre era inclinado às más ações, pelo contrário; acredito mais na sua humanidade. Afinal de contas, aprendi em um certo lugar que "quanto mais humanos somos, mais divinos nos tornamos".

Digo isso, porque acredito que o processo de reabilitação é uma espécie de pedido-convite, em que o bispo do Crato Dom Fernando, em comunhão com o seu presbitério e com a comunidade, assumindo o erro do passado cometido pelos seus antecessores, chama de volta aquele que, injustamente, havia sido expulso.

Vejo nisso a reparação de erro do passado; o que assemelha Dom Fernando ao Papa João paulo II.

Na verdade não cabe à igreja admitír ou não o Padre Cícero na glória celeste, isso é tarefa do próprio Jesus Cristo, cuja missão è salvar. À igreja cabe chamá-lo de volta ao presbiterato, pedir desculpas ou perdão a ele e aos romeiros e invalidar a bula de excomunhão expedida contra ele e que o separava da igreja.

Então, mesmo não estando presente em vida entre nós, acredita-se que com esse gesto sincero o Padre Cícero retorne ao corpo da igreja de Cristo. Acredito ainda, que o gesto é verdadeiro por isso faço esse comentário sem querer que pensem que estou fazendo apologias à igreja, Loge de mim. Mas é que vejo com bons olhos essa atitude da igreja.

Sei por meio de leituras e comentários que escuto dos "mais velhos" que o Padre Cícero Sofreu muito com as injustiças da igreja da época; mas acredito também no perdão. Esse gesto de Dom Fernando é, para mim, um digno pedido de desculpas e, não importando o tempo ou o espaço, "perdoar é sempre uma ação divina".

Portanto, se perdoar é divino, o Padre Cícero já perdoou os que lhe fizeram mal. É hora de recomeçar. Quem sabe se a REABILITAÇÃO DO PADRE CÍCERO não é o primeiro passo para o início de um processo de canonização? Se bem que para mim isso é irrelevante, uma vez que muitos santos existem sem que seus nomes constem nos cânones da igreja.

Como "os últimos serão so primeios", acredito que o Padre Cícero prefertiria não fazer parte dessa lista, pois acredito de fato na sua humanidade, na sua humildade, na sua bondade, enfim, na sua santidade.