TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

UM SIMPLES EVENTO ARRASARÁ O PLANETA

Gaúcho, bigode e vasta cabeleira brancos, corpo esguio de espadachim, óculos que percutem as prateleiras das livrarias. Mãos finas e elegantes que um dia pretenderam semear arroz numa coletividade entre amigos e amigas. Intelecto organizativo, em parágrafos, introdução, argumentos e conclusões. Pensador da Saúde Pública, um dia abriu as asas sobre o mau hábito do tabagismo, entre uma tragada e outra de um baseado. Uma doce raiva que explode pelo rastilho da chateação, mas se dispõe ao diálogo permanente e amigável. É um personagem de um filme da década de quarenta, elegante, inteligente, capaz de chistes que derrotam reputações, não seria improvável vê-lo saindo com seu casaco de inverno, luvas de pelúcia e um guarda-chuva girando enquanto caminha pelas ruas noturnas. Mas, também, poderia ser um radical das passeatas dos anos 60, com barba castrista, empunhando o cartaz contra a ditadura militar. Improvável não é que fosse um hippie vivendo em comunidade, pela senda da paz universal, do faça o amor, não faça a guerra.

Cearense da fronteira. Entre Pernambuco, Piauí e Paraíba. Quando chega ao ambiente este fica repleto dela e da meia dúzia que por estiver. Quantas conversas para desenrolar. Ninguém de seu tempo e lugar jamais viajou tanto em vida. Não lembra mais a quantidade de vezes que sobrevoou o atlântico, de ponta a ponta o Pacífico e fez renda sobre o Índico. O mar vermelho, as penínsulas da Europa, o subcontinente Indiano, a Ásia, as cadeias dos Alpes e do Himalaia. Então se sente com ela e o assunto de cabo a cabo é sua pequena vila caririense, seus engenhos, canaviais, de serra, a política familiar, a vida estudantil, as festas nas médias cidades de sua região. Um dia foi para frente do embarque da aeronave no Aeroporto Regional do Cariri, estava com a prerrogativa de seus sessenta anos. Um desses moços de uma empresa terceirizada, que controlam a entrada na sala de embarque. reclamou que aquele não seria o seu lugar adequado. Ao que ela sacou a identidade e perguntou: a prioridade não é para pessoas com sessenta anos e mais? O rapaz constrangido com as evidências documentais explicou-se: É que a senhora é tão sacudida!

Neste carnaval esteve no Rio de Janeiro. Chega de blocos, de desfiles, de pileques, de carnaval enfim. Veio para se divertir no "dolci far niente" do longo feriado. Nestas ocasiões pode até visitar um amigo ou outro. Não peça que venha no dia seguinte, ela não virá e nem sequer mandará flores de desculpas. Seu deslocamento a levará para onde os estuários a arrastarão. Um dia diferente do outro, mesmo quando são a mesma coisa. Afinal seus dias se contam em milhagens aéreas. Pois foi no meio de uma visita que alguém pergunta: Quando serás avó?

Eis uma resposta imediata. Sem pensar para responder: "Nunca!".

Mas teu filho não desdobrará a tua descendência?

Não, ele diz que não vai botar mais alguém no mundo para sofrer daqui a pouco.

Mas por quê?

O aquecimento global! O interlocutor eleva o tom da voz e repete a interjeição com sinal de interrogação: O aquecimento global?

É. A criança pode dar um peido bem no limite dos gases carbono do planeta e o efeito arrasar todo o planeta e a biosfera sobre ele.

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