Sai do mercado o “produto” Fidel Castro
Retirado do mercado internacional, por decrepitude e com data vencida, o último frasco de certa substância remanescente da era leninista-stalinista
Hélio Viana
No andar térreo de um derruído e mal iluminado sobrado no centro de Havana, um funcionário do Estado retira, de uma prateleira empoeirada e semi-vazia, o único frasco que restava de um produto — um elixir — agora proscrito, jogando-o com desdém numa lata velha de lixo. Em seu rótulo estava impresso: Fidel Castro.
Aquele rejeitado “produto” permaneceu 49 anos nas prateleiras não só de Cuba, mas dos mercados internacionais. Foi trombeteado através das ondas da Rádio Moscou e congêneres. Jornais e televisões de plutocratas o afagaram. Atilados agentes o divulgaram nos mais variados países. Toda a intelligentsia de uma ideologia tornada bolorenta o cortejava. Mais recentemente, sustentado, largamente pelos petrodólares de Chávez. Era por fim sorvido, qual precioso néctar, por “teólogos da libertação”. Nada disso, contudo, demoveu a multinacional Chinacubarússia de retirá-lo de circulação.
Motivo: além da ausência de procura pelos consumidores internos de Cuba, onde foi lançado, apareceu no mercado venezuelano um “genérico” mais eficiente, após ficar provado que o “produto” estava causando depressão e envelhecimento precoce em seus usuários.
“Eu irei para o inferno” |
Neste sentido, em consonância com a máxima comunista de que “a religião é o ópio do povo”, Fidel Castro não hesitou em declarar ao jornalista Jean-Luc Mano, da revista “Paris Match” (29-10-94): “Eu irei para o inferno, e sei que o calor ali será insuportável... E lá chegando, encontrarei Marx, Engels, Lenine. E também encontrarei você, porque os capitalistas também vão para o inferno, sobretudo se desejam gozar a vida”.
O ator e seu cenário |
A par de ser um líder revolucionário, Fidel Castro foi um grande ator, adrede preparado pela propaganda comunista instalada no coração de uma megalópole capitalista. Esta cuidou de modo especial do seu perfil — barba, charuto à boca e boné na cabeça — e de seu cenário — a revolução iniciada em Sierra Maestra —, fazendo depois incidir sobre ambos os possantes holofotes da mídia, numa bem orquestrada ofensiva financiada pelos cofres de Moscou e de macro-capitalistas.
Filho de ricos fazendeiros e ex-aluno jesuíta, Fidel Castro teve de enganar o povo cubano, para se impor, apresentando-se como católico. Para isso chegou inclusive a pendurar medalhinha no pescoço, ostentando-a por cima da camisa. Sabia que, se tal não fizesse, teria insucesso. Depois começou propriamente sua revolução: perseguições à Igreja e aos adversários do regime, instituição do famoso paredón, e sobretudo aquilo sem o qual nenhum regime comunista se consolida: uma draconiana Reforma Agrária.
Miséria, fome e expansionismo |
Mas, como não poderia deixar de ser, o regime comunista só gerou miséria, tanto moral como material, uma vez que a instituição da família ficou à mercê das leis libertinas decorrentes de sua ideologia, e a iniciativa particular cessou de existir. Com isso, tanto por ocasião do estabelecimento do regime comunista como ao longo das cinco décadas em que ele teve vigência, incontáveis foram as pessoas de todas as idades e condições sociais que, com risco da própria vida, saíram da Ilha outrora conhecida como a Pérola das Antilhas.
A revolução cubana conseguiu ser expansionista enquanto a União Soviética a manteve de pé. Pois era através desta, e dos macro-capitalistas que ajudavam a sustentá-la, que Cuba recebia o dinheiro e material bélico para tentar sublevar, com os falsos ideais comunistas, as populações da América Latina e da África. Mesmo assim, nunca obteve resultados expressivos. Antes pelo contrário. Che Guevara, por exemplo, foi localizado e morto na Bolívia, após ter sido denunciado pelos próprios camponeses que ele afirmava querer “libertar”.
Com o desmoronamento do Muro de Berlim em 1989, e da União Soviética em 1991, Cuba ficou reduzida a quase um ente de razão. Sua subsistência se deveu tão-só ao fato de para a causa mundial do bolchevismo ser imprescindível continuar a existir, em algum lugar do mundo, um ponto de referência onde a realidade comunista continuasse a reluzir suas luzes de lantejoula aos olhos de seus desconcertados adeptos.
Muito antes, portanto, da agonia de Fidel Castro, seu regime já estava com os dias contados. No sentido de que Cuba não era mais a ponta-de-lança da revolução comunista no continente latino-americano, mas se tornara uma mera peça ornamental colocada na vitrine de plástico comunista para servir de alento a desiludidos partidários.
Possíveis sucessores |
Raul Castro ao lado da cadeira vazia do ditador Fidel |
Parece que o encontraram em alguma medida na pessoa de Hugo Chávez. Pois, apresenta os modos de ser, pensar e agir hauridos da ideologia proletária do comunismo, seu perfil assemelha-se ao de Fidel Castro. Sua pitada de Lenine adviria da riqueza oriunda do petróleo, com a qual sua revolução poderia alcançar alguma proporção com a daquele.
Obstáculos na opinião pública |
Será Chávez o herdeiro de Castro na América Latina? |
O sucesso do novo “produto” depende, portanto, de muitos fatores. Mas sobretudo deste: a recusa da opinião pública — inclusive daquela parcela favorecida por políticas assistenciais populistas — de caminhar em direção à esquerda. Se Chávez tivesse saído vitorioso no referendo de 2 de dezembro, com o qual pretendia modificar a Constituição e perpetuar-se no poder, teria certamente dado um passo decisivo nessa direção. Mas ele se defronta ainda com outro obstáculo: o povo venezuelano, além de estar cansado de demagogia, tem dificuldade em adquirir alimentos, faltam até os mantimentos básicos no país.
Com a régia recriminação ainda lhe ecoando nos ouvidos — “Por qué no te callas? —, estaria Chávez decidido a levar adiante sua revolução através de um golpe de força? Corroboram essa hipótese a sua estreita ligação com as FARC e o arsenal bélico que adquiriu da Rússia, mas também os tratados com o governo iraniano e o fato de células do grupo islâmico Hezbollah estarem atuando na Venezuela. Se lhe foi possível estabelecer alianças em lugares tão distantes, seria inverossímil que ele também não as fizesse com o subversivo MST?
O que será de Cuba? |
O regime comunista só gerou miséria, tanto moral como material, uma vez que a instituição da família ficou à mercê das leis libertinas decorrentes de sua ideologia, e a iniciativa particular cessou de existir |
Como reagirá o povo cubano após 50 anos de regime comunista? Estará habilitado a empreender a reconstrução do país? Terá iniciativa para isso? Ou agirá como, por exemplo, parte da população da ex-Alemanha Oriental, incapaz de mover uma palha em decorrência da extrema indolência a que a relegou o comunismo? Quanto tempo levará para que se apaguem das mentes os falsos dogmas de Marx?
O episcopado e o clero católico estarão dispostos a empreender uma cruzada de regeneração moral de Cuba? O que resultará da terceira visita — de uma semana de duração — que o Cardeal Tarcísio Bertone, atual Secretário de Estado do Vaticano, empreendeu a Cuba dois dias após a “abdicação” de Fidel Castro? Reclamará para a Igreja plena liberdade de culto e de ensino, inclusive no tocante ao direito de propriedade? Que papel será atribuído doravante à “Teologia da Libertação”, a respeito da qual Fidel teria afirmado que, se a tivesse conhecido antes, teria dado outro rumo à sua revolução?
Seja como for, chegou o fim da era do tirano Fidel Castro e de tudo quanto ele representou no cenário internacional, enquanto símbolo vivo e sinistro do comunismo. Ao “abdicar” em favor do delfim seu irmão — um absurdo, mas considerado pela esquerda como a coisa mais natural do mundo —, ele não fez senão atender ao clamor do drama vivido pela miserável população cubana que, a exemplo do filme “Tropa de Elite”, lhe implorava: “Pede para sair, revolução malograda!”
E-mail do autor: helioviana@catolicismo.com.br
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