A grande região que envolve a Praça Paris, o Passeio Público e o largo dos Arcos da Lapa tem as decaídas edificações do Rio exuberante entre os anos 20 e os 50. Pelas ruas tributárias deste grande espaço, ainda maior, pois vizinho do Aterro do Flamengo, circula o povo. O povo brasileiro, urbano, mestiço, transeunte da sobrevivência diária, desde o mendigo cheirando cola numa pet de coca-cola até o engravatado de algum escritório próximo. Camelôs tanto vendem quanto interrompem o livre circular pelas calçadas. Uma loja Americana que já foi um pedaço da Mesbla, um investimento sobre antigo arranha céu que já foi o Hotel Serrador. Uma geografia como toda geografia é: história do espaço.
Dos milhares de pessoas que ali se encontravam no mesmo momento em que era um individuo a somar-lhe o total, vi uma muito especial. Saiu daqueles momentos para estas linhas.
Seguia a poucos metros à minha frente. Uma pessoa que só via pelas costas, um tanto hermafrodita no vestir-se, ora homem e noutra mulher. Uma roupa moderna, com cores de camuflagem militar, por baixo uma camisa de meia de mangas comprida. Era uma vestimenta que por todos os sinais de sujeira e desgaste parecia única. Estaria em seu corpo desde alguns dias. Roupa entre um verde musgo arrastado para o tierra siena natural e puxado para o preto. Desta escultura o mais fenomenal de tudo: ela seguia em passos animados, o seu corpo quase dançava como um musical de Hollywood. Parecia que de todo o amplo espaço urbano uma música ou um estado geral mobilizador tocava profundamente aquela pessoa. Seus braços faziam movimentos firmes para frente e para baixo como se comemorasse a vitória de um momento esperado. De repente toda a minha atenção havia perdido o burburinho da cidade e só aquele personagem animado concentrava toda a realidade. Para tipologia que classifica, logo imaginei uma explicação psiquiátrica ou os efeitos de alguma substância estimulante. Só que a tipologia não era suficiente para toda aquela relação entre a energia firme, ensimesmada naquele personagem e o próprio estágio de atenção que me capturara. Alguma imagem musical da década de 70 logo se infiltrava numa nova explicação do momento. Aquelas imagens tão comuns em Chico Buarque nas quais uma Banda revolucionava toda uma cidade para vê-la passar. Uma dança que contaminava todo o cotidiano desmotivado das gerações pré-revolucionárias de então. E por mais que apertasse os passos eu não conseguia um ângulo de visão que lhe expusesse o rosto, até que o personagem sumiu entre tantas pessoas no perigo da espera de um sinal de trânsito.
Voltei ao coletivo de tantas pessoas, veículos, pombos, as frondosas árvores do Passeio Público, continuando minha caminhada para o almoço num restaurante próximo. A cidade do Rio de Janeiro, a Escola de Música da UFRJ, uma família de indianos com suas vestimentas típicas e a mulher com a pinta colorida no meio da testa. A multiplicidade simultânea de eventos, traduzida por todos os sentidos, inclusive as pedras irregulares da calçada e na esquina a banca de jornal. Na diluição geral de todas as coisas de repente novamente o personagem. Uma mulher, marcando passos num mesmo lugar, cantando uma letra que dialogava com o que fazia. Revolvia, com bastante vigor, os restos contidos numa cesta de lixo pregada num posto bem na esquina. A mesma esquina em que o famoso João do Rio falou em suas crônicas.
3 comentários:
Começou com uma valsinha ... Li cantando e dançando ... Reconhecendo pedaços do Rio , justo aqueles , que tantas vezes comi , em banquetes inesquecíveis !
Me hospedava na Cinelândia ( perto do teatro Rival) ; comprava coisinhas na "Mesbla"; entrava naqueles cinemas; tomava chope no Amarelinho; ouvia Jamelão no Café Nice; dançava no Circo Voador ou na Estudantina...
Você cura o leitor , em cada parágrafo que escreve !
Estava por aqui , desacordada no tempo , bebendo a madrugada ...bêbada em tua prosa .
Olhando um céu, fora da janela, . Procurando decifrar estrelas. Elas piscam ... confirmam e negam ! Caem feito chuva , e nos molham de poesia .. ( que venham as perséiades de Agosto ) !
Ouvi todas as músicas do Chico , num só, e ao mesmo tempo ... Escutei João Nogueira , noutro verso.
Imagina ... imagina ?
Agora pulei para o Tom ...
Minha alma se aquietou numa nota só , num canto desafinado... Procurei o "Lhama" ou a Confeitaria Colombo pra tomar um chá !
Busquei na multidão , "Uma mulher a cantar " , sem ver A BANDA passar !
O Cariricult tem sala de bate-papo . Fico pensando numa roda de repentes , numa noite sem vinhos !
Você , Lupeu , Pachely , Salatiel , Dihelson , Rafael , Sávio , Leonel , Domingos ... Quantos teclados não tocariam , no mesmo diapasão ?
Mas , o bom é o acaso. As surpresas floram no improviso...
Abraços
Socorro,
Temos salas de bate-papo em labirinto. Inclusive a mesma sala de bate-papo do CaririCult vai dar no Blog do Crato.
Quem sabe, um dia a gente se encontra !
Bjus!
Dihelson Mendonça
Di ,
Vou torcer pelos encontros , mesmo que seja em pedaços , com os corujões , que passeiam nas madrugadas , em serenatas !
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