Ontem, ouvindo a Rádio Chapada do Araripe. O Zé Nilton, com sua voz de Chico Buarque, numa canção de "estilo cavaquinho" carioca, chamada Via Crucis. Não sei bem o motivo, mas isso me remeteu ao mês de julho de 20005 quando perdi um dos alter-pater que tive pela vida, Manoel Baptista Vieira e soube pela mídia nacional da tragédia do Reginaldo que deu a vitória a seu time e em seguida ao gol morreu. Isso no bairro da Batateira, onde nasci e hoje tem o nome oficial da minha mãe. Bom aí segue, pelas lembranças da rádio e do Zé Nilton:
Na convicção que nasce todos os dias, a morte é certa como o sol. Os poetas, os músicos e os pintores cultuam o sol, apesar deste não fugir à ordem. Acontece que o sol não é mero trajeto a se repetir, ele é expressão única. E os artistas cuidam dos fatos e paisagens especiais, que acontecem uma só vez.
Manoel Baptista Vieira
Decifra, de pé, numa vereda fechada, algo mais complexo que os sons do sertão. Parado, um silêncio interior igualável ao zen, só que não se aprofunda em si próprio, mas no vasto exterior da caatinga do Gravatá. Um chocalho, seu badalo especial; um mugido, sua rês procurada; um canto de graúna, seu mundo especial. Manoel Baptista Vieira é tema para uma verdadeira metafísica.
Aqui compreendida como a filosofia do Ser. Do ser em si. A lapidação completa de todas as incrustações estranhas à sua matéria. O substantivo apenas, sem qualquer adjetivo ou verbo para pô-lo em movimento. Uma vez encontrado Manoel Baptista Vieira em sua essência, toda a metafísica se confunde. Pois nesse núcleo há um aleph do tempo, assim como as terras áridas do Ceará.
Então Manoel Baptista Vieira é decifrável, compreensível, mas esta tarefa não é para qualquer dom. É preciso compreendê-lo na extensão do Deus que ele cria; nas dobras do humanismo greco-romano; no discurso que a língua culta faz; no riso que antecipa o chiste ou a piada; no sonho de realização que uma grota promete em água represada; na vaca que vem ao curral para o leite da vesperal; no bezerro perdido nas pedreiras da Lagoa da Besta. Manoel Baptista Vieira é como o sol para os artistas. Uma ocasião única do manifesto do universo material que nós todos somos.
O Sol e a morte d e Reginaldo.
Reginaldo, 34 anos, ponta esquerda do CRB - Clube de Regatas Batateira, na cidade do Crato, no Ceará, morreu após dar vitória ao seu time. Uma multidão assistiu ao seu enterro. O jogo entre o CRB e o Beira Rio terminou empatado no tempo regulamentar. A decisão passou para os pênaltis. No último lance dos pênaltis ainda estava indeciso, restava uma oportunidade para o CRB.
Os companheiros de time procuraram Reginaldo para honrar o último lance. Ele recusou-se, não gostava daqueles momentos e decisões. Afinal pressionado ajustou a bola na marca do pênalti. O público em volta silenciou. Era a conclusão, num único chute, de mais de noventa minutos de centenas de jogadas e vôos da bola.
Reginaldo disparou a bola no peito do pé e uma linha de espaço entre a marca do pênalti e as traves de gol foi alterada pelo movimento da alma humana. A bola infalível atravessou o vazio entre as mãos do goleiro e as traves, interrompendo-se somente nas malhas da rede. Os torcedores gritaram de alegria, os jogadores amigos abriram largos risos e no rosto dos adversários escorreu um magma de amargura.
Sob a sombra de uma árvore, Reginaldo pediu uma pedra de gelo. Precisava congelar o fogaréu que tomava conta do seu peito. Transferindo seu próprio calor para o gelo, Reginaldo repetia o que sempre fizera nas contusões do jogo. Naquele momento a bola devolvia-lhe a energia de seu próprio chute, como que se tivesse rompido a rede do gol e no coração de Reginaldo se encaixasse.
Como o sol: um momento especial.
Na convicção que nasce todos os dias, a morte é certa como o sol. Os poetas, os músicos e os pintores cultuam o sol, apesar deste não fugir à ordem. Acontece que o sol não é mero trajeto a se repetir, ele é expressão única. E os artistas cuidam dos fatos e paisagens especiais, que acontecem uma só vez.
Manoel Baptista Vieira
Decifra, de pé, numa vereda fechada, algo mais complexo que os sons do sertão. Parado, um silêncio interior igualável ao zen, só que não se aprofunda em si próprio, mas no vasto exterior da caatinga do Gravatá. Um chocalho, seu badalo especial; um mugido, sua rês procurada; um canto de graúna, seu mundo especial. Manoel Baptista Vieira é tema para uma verdadeira metafísica.
Aqui compreendida como a filosofia do Ser. Do ser em si. A lapidação completa de todas as incrustações estranhas à sua matéria. O substantivo apenas, sem qualquer adjetivo ou verbo para pô-lo em movimento. Uma vez encontrado Manoel Baptista Vieira em sua essência, toda a metafísica se confunde. Pois nesse núcleo há um aleph do tempo, assim como as terras áridas do Ceará.
Então Manoel Baptista Vieira é decifrável, compreensível, mas esta tarefa não é para qualquer dom. É preciso compreendê-lo na extensão do Deus que ele cria; nas dobras do humanismo greco-romano; no discurso que a língua culta faz; no riso que antecipa o chiste ou a piada; no sonho de realização que uma grota promete em água represada; na vaca que vem ao curral para o leite da vesperal; no bezerro perdido nas pedreiras da Lagoa da Besta. Manoel Baptista Vieira é como o sol para os artistas. Uma ocasião única do manifesto do universo material que nós todos somos.
O Sol e a morte d e Reginaldo.
Reginaldo, 34 anos, ponta esquerda do CRB - Clube de Regatas Batateira, na cidade do Crato, no Ceará, morreu após dar vitória ao seu time. Uma multidão assistiu ao seu enterro. O jogo entre o CRB e o Beira Rio terminou empatado no tempo regulamentar. A decisão passou para os pênaltis. No último lance dos pênaltis ainda estava indeciso, restava uma oportunidade para o CRB.
Os companheiros de time procuraram Reginaldo para honrar o último lance. Ele recusou-se, não gostava daqueles momentos e decisões. Afinal pressionado ajustou a bola na marca do pênalti. O público em volta silenciou. Era a conclusão, num único chute, de mais de noventa minutos de centenas de jogadas e vôos da bola.
Reginaldo disparou a bola no peito do pé e uma linha de espaço entre a marca do pênalti e as traves de gol foi alterada pelo movimento da alma humana. A bola infalível atravessou o vazio entre as mãos do goleiro e as traves, interrompendo-se somente nas malhas da rede. Os torcedores gritaram de alegria, os jogadores amigos abriram largos risos e no rosto dos adversários escorreu um magma de amargura.
Sob a sombra de uma árvore, Reginaldo pediu uma pedra de gelo. Precisava congelar o fogaréu que tomava conta do seu peito. Transferindo seu próprio calor para o gelo, Reginaldo repetia o que sempre fizera nas contusões do jogo. Naquele momento a bola devolvia-lhe a energia de seu próprio chute, como que se tivesse rompido a rede do gol e no coração de Reginaldo se encaixasse.
Como o sol: um momento especial.
2 comentários:
Apolo, o deus-sol, é a representação da força do consciente para dissipar a escuridão.
As coisas são geradas , na penumbra...mas a luz do sol vem desabrochá-las !
O grande Zé do Vale consegue escrever sobre o velho Vieira, com desenvoltura. Talvez pela maior proximidade , não consigo. Sei , no entanto, que tudo que escrevo tem muito daquele seu ar bonachão e daquela facilidade de não levar muito a vida a sério ( a vida este curta metragem em que o artista sempre morre no final)
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