TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 23 de novembro de 2008

Aeronauticamente...

Minha coragem ficou presa em algum lugar quando passei abaixadinha naquele escuro. Senti algo me puxando pra trás, uma mão pegajosa ou um galho seco que enganchou na minha roupa sem querer, não sei, não olhei pra trás. Nunca gostei de lençol pra dormir enrolada, minha mãe cansava de dizer: menina, te cobre, que as almas podem querer te assombrar, depois não vá acordar teu pai que trabalha cedo...Meu pai, meu herói, destemido em tudo, eu-meupai-mulher. Um dia ele trouxe um quadro da cidade, era minha foto sorrindo ampliada, colocou na parede da 2ª sala, na 1ª mataria meus irmãos de inveja. Nada, quando isso aconteceu já éramos adultos e não houve ciumeira, entenderam, eu já morava em Petrolina, era só saudade dele...Mas voltando à coisa que me puxava no escuro, descobri hoje e por isso escrevo. É maior do que eu pensava, e pior do que eu previa, mais danosa do que as almas penadas que eu desafiava contrariando D. Dalva tão supersticiosa...ela me diria: - Ói, agora você achou o que procurava, cadê a coragem, sumiu? A coragem enfiou a cara no tecido estampado da fronha com desenhos de pontos de interrogação vermelhos e coraçõezinhos pretos, afinal sou flamengo também, e perdemos hoje, que pena! Bem, a coisa assombrosa, é claro, não poderia ser o meu próprio medo, sou destemida como meu pai, não disse? A coisa é o medo que o outro tem de mim, o que me deixa assustada nesse escuro abaixada agarrada em minha fronha favorita. Os pontos saltam sobre mim perguntando: sou de assustar? sou má? sou nó cego? D. Dalva como boa mãe me cobriria hoje, mesmo se eu não quisesse, e reclamaria de mim como tantas outras vezes: - Ô menina teimosa!

7 comentários:

Claude Bloc disse...

Deliciosa leitura. Parabéns!
Claude

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Marta: o medo do outro, que interroga, invade o fosco que germina o inesperado é o medo deste abismo em que estranhos se fizeram como parte da individualidade ampla, geral e irrestrita. Por isso esta menina teimosa não pretende mais uma capa a somar distâncias no abismo.

Marcos Vinícius Leonel disse...

Beleza Marta. Fico pensando em quantas coisas boas escritas existem em uma semana de exílio forçado, como eu que fiquei distante, mas não distanciado do blog!!
bjs

Marta F. disse...

No abismo da minha individualidade cabem todos, não se sintam estranhos, são parte desse vão, como disse o Zé do Vale. Eu não pretendo manter capas (nem lençóis) para aumentar distanciamentos. Às vezes parece que alguns de vós me conhecem mais que os que vêem meus olhos verdes frente à frente...
Obrigada pela hospitalidade com que sou recebida.

Marcos Vinícius Leonel disse...

Sinceramente eu não entendi o capas e lençóis, nem preciso. Desculpe o comentário que fiz, até mais ver.

Marta F. disse...

Marcos confundiu alguma coisa, não falava do comentário dele quando disse capas e lençóis, falava do comentário do José do Vale: "esta menina teimosa não pretende mais uma capa a somar distâncias..." pois é, nem capas, nem lençóis que são maiores, ou seja, não pretendo distanciar-me, foi só isso. Acho que houve um mal-entendido, eu que peço desculpas se foi erro meu...

Marcos Vinícius Leonel disse...

Desculpe o atraso, Marta, é que época de vestibulares eu fico esporádico no blog, foi um mal entendido da minha parte. Beleza.
bjs