TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O AÇUDE DO BORIS

O meu sogro era filho de italiano. O mais impossível, um italiano morando no Ceará. Mas isso havia. Como sírios e libaneses, portugueses, ingleses e franceses. O pai do meu sogro viera para o Brasil numa fantástica história do século XX. O tio dele, carbonário contra Maximiniano e pela unidade italiana de Garibaldi, foi tangido para fora. Era maestro e viera ao teatro de Manaus se usufruir das vantagens do dinheiro farto da barrocha. Veio com uma trupe musical. O período acabou, o grupo se desfez e ele saiu pelas capitais do nordeste em busca de oportunidade. Finalmente chega a Camocim, pega um trem e faz a vida ensinando piano para a filhas do sfazendeiros de Granja.

Granja ainda é uma das cidades com maior densidade de piano por família. O maestro tinha deixado dois filhos e pede que o sobrinho, o pai do meu sogro, os traga até o Ceará. Em resumo este italiano se casa com uma cearense bem no centro de um seringal no Acre no ano de 1890 e com ela cria uma numerosa prole. Como bom migrante sai do Amazonas, vai para a Bahia, depois retorna ao Ceará, vai para o Piauí e novamente o Ceará onde vai trabalhar no departamente de obras contra a seca fazendo agrimessura de açudes.

Aí encerra a sua história. Agora ao Açude do Boris. Ele costumava trazer do interior um grupo de peões que trabalhava na construção dos açudes. E os trazia só para matar a curiosidade matuta. Mostrar-lhe o mar. A quem chamavam de AÇUDE DO BORIS.

E os Boris? Era uma família de judeus franceses, riquíssima, residente no litoral do Ceará. Proprietária de grandes capitais e bens materiais. A Casa Boris Fréres, fundada em 1869 pelos irmãos Alphonse e Thedore, é quem dava o norte para o estado. Era a maior importadora e exportadora, inclusive em outros estados. O ferro fundido do Theatro José de Alencar foi importado por eles. A diversidade comercial dos Boris era vencedora em diversos ramos, seguros, afretamento de navios, exportação e financeira. Foram eles os agenciadores de volumoso impréstimo feito ao Ceará pelo banqueiro francês Louis Dreyfus.

A casa comercial Boris Fréres tinha sede na região da praia de Iracema, próxima à alfândega e se constituía numa das maiores edificações da época. Era vista desde os navios que se aproximavam ou se distanciavam da cidade. A fama da família pelo estado era tanta que na visão dos matutos o mar era da família.

Um comentário:

Claude Bloc disse...

José do Vale,

Fiquei surpresa por você conhecer também a "lenda" do "Açude Boris".
O interessante é que esta história é fato: muita gente vinda do interior acabava acreditando que aquilo (mar) fosse mesmo um açude colossal.
Um morador (Manuel Dantas de Freitas) lá da Serra Verde (fazenda onde cresci), em 1955 veio a Fortaleza pela primeira vez, com o objetivo de cuidar de meu avô (Georges Bloc), acometido de câncer, e que, rebelde, não aceitava enfermeiros/as estranhos/as para lhe aplicar injeções e para alimentá-lo.
A amizade entre Seu manuel e meu avô estava enraizada em momentos de pescaria e caça acontecidas na fazenda. Ambos se repeitavam e se entendiam, embora a comunicação fosse difícil, devido ao pouco domínio de Georges Bloc em relação à Língua Portuguesa. "Eu peguei um grrrosso"! dizia meu avô com sotaque carregado, quando pegava uma traíra de maior porte... Então, Seu Manuel o acompanhava sempre nessas empreitadas, ora pescando, ora caçando marreco ou galinha d'agua, e também o acompanhou até seu último suspiro.
Foi aí, depois desse último momento, que meio abafado pelos acontecimentos, Seu Manuel foi levado até a casa de meu tio Bertrand Boris (irmão de minha avó, Huguette Bloc Boris) que ficava na Praia de Iracema e, nesse dia, ele viu pela primeira vez o mar. Admirado com aquela imensidão de água, indagou para Tio Bertrand: "esse açudão aí é o tal do açude dos Boris"?
Será lenda, será verdade? Sei que com Seu Manuel ocorreu tal qual se conta.

Abraço,

Claude