TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Vésperas

Amanhã morro.
Deixo o quarto vazio.
Doem meus órgãos
e os meus sapatos.
Não há necessidade
de comprar um caixão
do meu tamanho.
Aproveitem
da flacidez da minha alma
e encolham meus joelhos.
Também peço
encarecidamente
que não sirvam bebida
enquanto meu corpo presente.
Posso ter uma recaída,
levantar-me com a mão estendida,
assustar os familiares
e convidados.
Sobretudo não ousem
tapar meus ouvidos
com miolos de algodão.
Quero ouvir bem claro
as mentiras e os falsos elogios.
Se por acaso
a amada chorar,
digam a ela
que a culpa toda do poeta
que só via orquídeas
no jardim alheio.
Amanhã morro.
Deixo o quarto vazio.
Doem meus órgãos
e as minhas cuecas.

3 comentários:

Carlos Rafael Dias disse...

Não, poeta não parta
Ainda é cedo, muito cedo
O mundo precisa de suas poesias
E você precisa do mundo

Se você partir
O que será desses versos já então acostumados...

Quando a gente abre a tela até já sabe que sua titela é prato do dia

Vamos degustá-la com muita bebida

Mas vamos poupar o seu peito
Vamos embalsamar o seu coração

Ou melhor
Vamos substituí-lo por uma bomba mecânica ou qualquer outra explosiva coisa

Para que você só pare a poesia quando ela se explôda

17 Dezembro,

socorro moreira disse...

"Ne me quitte pas"...

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

E quando o poeta morrer,
engordem as cabras para a mamadeira,
arranquem os tubérculos do pirão,
cortem o algodão para as fraldas,
trancem os fios da rede,

Quando o poeta morrer,
façam o reverso dos dias da semana,
domingo para sábado,
deste para sexta.
deste chegar a segunda feira.

Um caldo de piqui,
uma moela de presente,
titela de prestígio,
um suco de cajá,

Pronto,
deixem o morto crescer,
estudar e fazer tudo de novo.