TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 18 de abril de 2009

"Os que vieram depois"


Que momento é esse que não chega nunca,
e a nossa parceria vai sendo adiada?

Na rua do outro lado estão os que aguardam
o fim da fome e nos olhos têm desconfiança,

Sobretudo nas promessas de salvação
que há milhares de dias se acumulam

Sobre os escombros do tempo
sobre os ossos da memória

Aqui estamos, e há pouca luz nos telhados
o horizonte afunda com o sol

Cada homem vê o seu rosto com estranhamento,
sua boca deformada por escassez de palavras

Aqui estamos, nós que chegamos depois
e aguardamos a graça da simpatia em nossos pensamentos

Nós que perdemos o dom da revolta
a coragem de ser amigos,

Aqui estamos cada vez mais ausentes

3 comentários:

Marta F. disse...

Chagas, quanta razão nesse teu texto...adorei "aguardarmos a graça da simpatia em nossos pensamentos".

Pois é, o momento crítico exatamente isso: bocas deformadas, pouca luz nos telhados...e o texto chama a atenção para os do outro lado da rua desconfiados, relembrando a responsabilidade que nos pesa.

Mas seu tom otimista foi tudo.Eu também acredito nessa graça.

Um abraço.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Se o poeta fala dos que vieram depois e o depois nada acrescentou ao momento que nunca chega, é que a voz de sussuro da alma mantém a mesma chama sobre os ossos da memória, como um borralho sob cinzas, até um dia sem que se note, o dom da revolta surge.

chagas disse...

[...] quando chegar o momento
do homem ser parceiro do homem,
pensem em nós
com simpatia.
Marta F.,
Com esses versos acaba o poema Aos que vão nascer, de Brecht.
Escrevi o poema, como um dos que nasceram depois e herdaram um tempo sombrio. E o que é pior, não conseguiram desanuviá-lo.

José, o seu comentário em si já é um belo poema.

Abraços.