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quarta-feira, 3 de junho de 2009

A aristocracia do Cariri



(Artigo publicado no "Jornal do Cariri", 2 de junho de 2009)

Zuca Sampaio, um caririense de escol
Armando Lopes Rafael (*)

José de Sá Barreto Sampaio – mais conhecido por Zuca Sampaio – nasceu em Barbalha, no dia 7 de agosto de 1861. Filho de Sebastião Manuel de Sampaio e Francisca de Sá Barreto Sampaio, um casal genuinamente católico. Sua mãe, antes de falecer, pediu que fosse enterrada na calçada da igreja-matriz de Santo Antônio. Ainda hoje se vê, no adro do vetusto templo, uma lápide mortuária onde consta: “Francisca de Sá Barreto Sampaio pediu ser sepultada aqui, para sobre suas cinzas passar o Santíssimo Sacramento e para ficar perto de sua querida imagem de Nossa Senhora das Dores”.
Sobre Zuca Sampaio, o Padre Azarias Sobreira publicou um opúsculo: “José de Sá Barreto Sampaio - um sertanejo de escol”. Dessa obra retiramos algumas informações.
Zuca foi comerciante honestíssimo e bem sucedido, de proceder sempre retilíneo, atuando na firma Sampaio e Irmãos, de 1892 até 1914. Neste último ano, as tropas da Sedição de Juazeiro invadiram Barbalha e roubaram o estoque dessa loja de tecidos, a maior do Cariri. Restou ainda o clima de insegurança, obrigando Zuca Sampaio, esposa e filhos a se refugiarem – durante algum tempo – numa fazenda do sertão pernambucano, localizada a mais de 100 km de Barbalha. Isso não o impediu de, todos os meses, na primeira sexta-feira, fazer longos percursos a cavalo para comungar, costume que o acompanhava, desde a infância. Naquela fazenda, se refez dos prejuízos sofridos, enquanto aguardava a hora de retornar a sua cidade natal e recomeçar suas atividades comerciais, bruscamente interrompidas.
Na juventude, Zuca Sampaio alimentou, durante anos, o desejo de ser padre. Desejou ser um sacerdote nos moldes do Padre Ibiapina e só desistiu desse intento, após longas conversas com o então vigário de Barbalha, Padre João Francisco da Costa Nogueira, virtuoso modelador da família católica barbalhense. Este o aconselhou a constituir uma família. Só aos 33 anos, veio a contrair matrimônio com Maria Costa Sampaio – Mãe Yayá – procedendo do casal nove filhos: Dr. Leão Sampaio, Dr.Pio Sampaio, Antônio Costa Sampaio, general Manoel Expedito Sampaio, professora Maria Alacoque Sampaio, José Costa Sampaio, Paulo Sampaio e mais dois falecidos, na tenra infância.
Zuca trabalhava, o dia inteiro, no seu estabelecimento comercial, com ligeiro intervalo para o almoço. Próximo ao pôr-do-sol, passava na sua residência para o jantar. Em seguida, pegava o candeeiro, livros e anotações e ia ensinar as primeiras letras no “Gabinete de Leitura”, instituição por ele fundada, destinada à alfabetização de pessoas carentes de Barbalha. Ali, ensinava os princípios morais, a doutrina cristã e o amor à pátria. Foi o leigo católico de maior projeção daquela cidade, tendo, ainda, presidido, por longos anos, à Conferência de São Vicente de Paulo, da qual foi um dos fundadores, em 1889 – amparando a pobreza daquela comunidade – além de ser um dos líderes da construção da bela Igreja do Rosário ( ver foto acima, à direita) .
Ao lado disso, priorizava uma sólida formação moral e intelectual aos seus filhos, os quais vieram a se destacar – depois de passarem por boas escolas e academias, em capitais de Estados brasileiros – como a fina flor da elite barbalhense.
Padre Azarias é enfático ao afirmar: “Sua franqueza ia ao extremo.Interessando-se pela sorte de todos, condoendo-se de todos os infortunados, jamais o intimidava a ira dos maus ou o melindre dos poderosos, se se tornava necessária uma palavra franca, em defesa da inocência, da fé ou da moral”.

(*) historiador

5 comentários:

Armando Rafael disse...

ESCLARECIMENTO

A expressão “aristocracia” foi usada na manchete à guisa de elite.
Pois, de maneira informal, é corriqueira a expressão “aristocracia rural do Cariri” para designar pessoas ou famílias – originalmente de pequenos meios – que à custa de trabalhos e sacrifícios conseguiram amealhar algum patrimônio e contribuíram para a elevação social do Vale do Cariri. Formavam, essas famílias, uma “petite nobless” que amparavam os humildes (principalmente viúvas e órfãos) praticavam as obras cristãs e de caridade, eram justos e serviam de exemplos para a comunidade.
Sei que ambas as expressões – aristocracia, elite – nestes tempos (em que o igualitarismo é pregado como se fosse um dogma (*) são palavras antipáticas, embora a maioria desconheça o seu real significado.
Elite – ao contrário do que difundem os defensores da luta de classes – não é a classe das pessoas privilegiadas. Fazer parte da elite – numa sociedade orgânica e cristã, como a que tivemos outrora no Cariri – antes de ser um privilégio, impunha deveres como: conduta religiosa e moral irrepreensível; amparar os mais fracos, a pobreza, as viúvas e os órfãos; agir com correção nos negócios, trabalhar pela comunidade e dar bom exemplo à população, dentre outros.
Foi isto que Zuca Sampaio sempre fez na sua profícua existência.

(*) dogma, segundo o Dicionário de Aurélio: Ponto fundamental e indiscutível de qualquer doutrina ou sistema.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Grande Armando: há neste teu comentário um certo tom normativo. Doutrinário mesmo. Acontece que além do dogma, há uma crítica ao anacronismo que foi se acentuando ao longo dos séculos XIX e XX por consequência da urbanização progressiva, da industrialização e da emergência do capitalismo. É um erro ideológico imaginar-se que a crítica à luta de classes seja a afirmativa de uma coisa que não exista. As classes sociais existem (deste modo não teria sentido falar-se em elite)e formam a base da história destes dois séculos, especialmente à partir das três grandes revoluções: Inglesa, Americana e Francesa. Se é possível aceitar as virtudes dos deveres impostos à elite, igualmente é necessário aceitar os vícios dos desmandos e dos crimes para coibir a emergência destas classes sociais. Veja que você mesmo situa a questão ao falar da sedição do Juazeiro. Sedição que não pode se restringir à aparência histórica mais imediata, do Padre Cícero e de Floro Bartolomeu, sem ter por forte referência os chamados "jagunços" que não são outros que não esta massa emergente. Sugiro a você, que tem um prestígio especial no Crato e tem, além do mais, uma mente aberta, que não se feche no modelo "sociedade orgânica e cristã" pois nós descendentes dos inhamuns, sabemos todas as faces da realidade.

Anônimo disse...

Parece que tivemos no Cariri uma "verdadeira aproximação da sociedade celeste ideal"...

Armando Rafael disse...

Sr. (ou Sra.) Anônimo:

É verdade. Até a professora da Urca, Sra. Zuleide Queiroz (que é marxista) na sua tese de doutorado (que versou sobre a história da educação do Cariri) escreveu a certa altura:

"Registra-se, em 1890 uma instituição escolar chamada “Gabinete de
Leitura”. Essa escola era reservada aos meninos pobres. Ligada a uma associação que mantinha seus
professores, a escola era noturna e, na época, registrou cerca de cem alunos. Na realidade, o Gabinete
de Leitura foi fundado em 14 de maio de 1889, na forma de biblioteca. Assim, ao mesmo tempo
mantinha a escola noturna para os meninos pobres".

E tudo foi iniciativa de Zuca Sampaio.

Anônimo disse...

Meu caro Armando:
Abraço-o

Parabéns pelo oportuno e brilhante “Zuca Sampaio, um caririense de escol”.
Mandeo-o para ser lido na Rádio Educadora do Cariri. Vale a pena. É até imperioso faze-lo.
Zuca Sampaio construiu a Igreja do Rosário com Totonho Filgueiras. Fundou, também, a Liga Barbalhense contra o Analfabetismo, em 1917. Alfabetizou meio mundo, quando se antecipou em um século a Paulo Freire: alfabetizava dando ao alfabetizado uma nítida consciência religiosa.
Por 50 anos rezava o terço diariamente – hoje Terço dos Homens – na Igreja do Rosário que o aguardava, repleta de fiéis, ao sair da Casa Sampaio, antes de entrar em casa para o jantar e de onde saia invariavelmente, lampião de querosene na mão, para ensinar no Gabinete de Leitura até às 21:00 horas.
Era intangível quanto à ética e fé. Era um Bispo-leigo.
Tudo o que dele se disser, ainda é pouco para o que ele foi.
Era ele quem fornecia os dados de Barbalha ao Barão de Studart.
Parabéns, velho amigo.

Napoleão Tavares Neves
Barbalha - Ceará