TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE
terça-feira, 9 de junho de 2009
A DÚVIDA DA PRÓPRIA DÚVIDA: O PRINCÍPIO DA CIÊNCIA DE SI MESMO
"A dúvida é um estado de espírito polivalente. Pode significar o fim de uma fé ou pode significar o começo de uma outra. Pode ainda, se levado ao extremo, ser vista como "ceticismo", isto é, como uma espécie de fé invertida. Em dose moderada, estimula o pensamento. Em dose excessiva, paralisa toda atividade mental. A dúvida, como exercício intelectual, proporciona um dos poucos prazeres puros, mas como experiência moral ela é uma tortura. A dúvida, aliada à curiosidade, é o berço da pesquisa e, portanto, de todo o conhecimento sistemático. Em estado destilado, no entanto, mata toda a curiosidade e é o fim de todo o conhecimento.
O ponto de partida da dúvida é sempre uma fé. Uma fé (uma "certeza") é o estado de espírito anterior à dúvida. Com efeito, a fé é o estado primordial do espírito.
...A dúvida da dúvida é um estado de espírito fugaz. Embora possa ser experimentado, não pode ser mantido. Ele é sua negação. Vibra, indeciso, entre o extremo "tudo pode ser duvidado, inclusive a dúvida", e o extremo "nada pode ser autenticamente duvidado".
... "Penso, portanto sou". Penso: sou uma corrente de pensamentos. Um pensamento segue o outro, portanto sou. Um pensamento segue o outro por quê? Porque o primeiro pensamento não basta a si mesmo se exige outro pensamento. Exige outro para certificar-se de si mesmo. Um pensamento segue outro porque o segundo duvida do primeiro e porque o primeiro duvida de si mesmo. Um pensamento segue o outro pelo caminho da dúvida. Sou uma corrente de pensamentos que duvidam. Duvido. Duvido, portanto sou. Duvido que duvido, portanto confirmo que sou. Duvido que duvido, portanto sou, independentemente de qualquer duvidar. Assim se afigura, aproximadamente, o último passo da dúvida cartesiana. Estamos num beco sem saída. Estamos, com efeito, no beco que os antigos reservaram a Sísifo" (1).
Aqui vai um conselho: Duvide de tudo, ou melhor, quase tudo! Duvide do sol que banha os seus olhos. Duvide da água que mata sua sede. Duvide do prazer que lhe dá o amor. Duvide do trabalho que lhe dá o sustento. Duvide da economia que lhe dá a riqueza material. Duvide da lua que lhe inspira o romance à noite. Duvide do método que lhe dá sentido à descoberta. Duvide de tudo mesmo, mas não duvide da fé.
Duvide da própria dúvida se queres encontrar a fé. E a fé - e somente a fé - é que poderá te levar a compreender o princípio da Graça de Deus em ti mesmo. Nesse sentido, a única coisa que não se deve duvidar é da própria fé em Deus que se revela em mim, em ti, em vós e em nós.
A fé é a bússola que dá orientação do Norte Divino. E sem ela o dia se torna noite, a vida se transforma em morte e o amor se confunde com o prazer da cama.
Duvide da própria dúvida para descobrir a fonte do Eu (transcendental) em ti mesmo. Pois, duvidando da própria dúvida estarás negando a si mesmo, ou seja, estarás dando um passo em direção à transcendência de si a partir de si mesmo. O ato de negar a si mesmo é a ciência da dúvida que duvida de si mesma. É a ciência, a religião ("Negue-se a si mesmo, pegue a sua cruz e siga-me" - Jesus Cristo) e a filosofia mais completa para se descobrir a verdade de quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos.
Segundo Meister Eckhart (2): "O Divino é uma negação das negações, um desmentido dos desmentidos...Toda criatura contém uma negação: uma nega o que é a outra" (p.80). E segundo E. FROMM: "Os mestres da lógica paradoxal dizem que o homem só pode perceber a realidade em contradições e nunca podem perceber em pensamento a realidade-unidade final, o próprio Um. Isto leva à conseqüência de que não se busca como alvo derradeiro encontrar a resposta em pensamento. O pensamento só nos pode levar ao conhecimento de não nos poder dar a última resposta. O mundo do pensamento permanece presa do conhecimento. O único meio pelo qual o mundo pode ser apreendido de forma final não está no pensamento, mas no ato, na experiência da unidade. Assim, a lógica paradoxal leva à conclusão de que o amor de Deus não é o conhecimento de Deus em pensamento, nem o pensamento do amor de alguém a Deus, mas o ato de experimentar a unidade com Deus" (Ibid. p.80-81)
Assim, não nos resta alternativa de duvidar (no sentido de questionar para começar a investigar no caminho da verdade) de quase tudo, respeitando os limites do domínio e alcance da dúvida, pois se duvidarmos além do limite permitido, estaremos duvidando da própria fé criadora e assim estaremos gerando uma fatoração negativa em nós mesmos. Isto porque a negação da negação em matemática resulta no sinal positivo, e a negação da positivação (a fé) resulta no sinal negativo (a descrença no poder transcendental em si mesmo - Deus!).
Nesse sentido, devemos saber duvidar. Pois, se não soubermos duvidar, duvidaremos errado - duvidaremos da própria Fé Criadora, ou seja, a manifestação da própria Fonte e Princípio da Sabedoria Criadora em si mesmo. O acaso não existe. A conseqüência de uma intervenção ontológica errada é a dor da ignorância, da violência, da guerra, da iniqüidade, do niilismo, do desespero, da ilusão, do realismo ingênuo e, portanto, da vida sem sentido da Sabedoria ("Philosofia") do Amor DELE.
Disse uma vez Pascal: "Se queres amar as coisas da Terra deve, então, conhecê-las. E se queres conhecer as coisas do Céu, deve por sua vez amá-las". A fé é o Norte ou Sentido correto do Amor Divino - sem dúvida ou duvidando da própria dúvida! Deus é a Verdade do Amor conquistado pela práxis da ciência de si mesmo.
1. FLUSSER, Vilém. "A Dúvida da Dúvida". São Paulo: Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 5 de Dezembro de 1999, p.10.
2. Apud FROMM, Erich. A Arte de Amar. Belo Horizonte: Itatiaia, 1966, 126p.
Bernardo Melgaço da Silva
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