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quarta-feira, 8 de julho de 2009
A DEPENDÊNCIA PSÍQUICA DA DIMENSÃO ESPAÇO-TEMPO: A ILUSÃO DAS FORMAS-PENSAMENTOS NA CONSTRUÇÃO DO FALSO E TEMPORÁRIO
(Trechos da minha dissertação de mestrado defendida em 1992 na COPPE/UFRJ)
Bernardo Melgaço da Silva
As expressões "tempo" e "matéria", para o homem moderno, sintetizam uma enorme quantidade de conhecimentos que para os indivíduos comuns permanecem ocultos numa nuvem de desconhecimento. Todas as análises matemáticas com suas deduções e axiomas alimentam a interpretação puramente racional desses conceitos, e habituamo-nos a aceitar como verdades inquestionáveis tais formulações. Se em algum momento aceitamos o significado de tempo como algo "subjetivo", esse instante é fugaz: logo sucumbimos a toda uma carga de interpretações cientifizadas que invalidam essa perspectiva, impedindo que enveredemos pelo caminho novo e desconhecido de uma tal intuição.
Somos desse modo "cativos" da construção mental "ad infinitum" de teorias a respeito da nossa "certeza" em relação a realidade do tempo e da matéria. E ,assim, medimos, comparamos e dividimos. Toda uma civilização "material" se estrutura tendo por base essas certezas "físicas".
O tempo "físico" está inserido nas fórmulas matemáticas que o homem criou. Para compreender essa inserção o homem precisa primeiro construir o "mapa" do território "tempo", descobrindo algo que ele teme inconscientemente, para formular então uma resposta consciente sobre o sentido de sua existência como ser vivo num local determinado de um universo ilimitado e finito.
A concepção cristã nos dá uma idéia de tempo que não se deixa reduzir a uma explicação racional analítica, pois:
"O homem criado por Deus á Sua imagem e semelhança, foi precipitado no tempo e na morte em consequência do pecado, que é uma ruptura com Deus. Pelo Cristo, porém, que é o mediador, pode restabelecer a ligação com Deus, e fazer da sua vida no tempo uma preparação para a vida eterna. O tempo é apenas um caminho que deve conduzir o homem fora e além do tempo"(ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL,1983, p.10827)
Analisando este texto podemos verificar uma relação do tempo com o pecado e a morte. Considerando o tempo como o universo desconhecido da sensibilidade de construção da realidade, a Queda do homem se deu e está se dando em associação com sua dificuldade em encontrar seu caminho de retorno a um nível superior de ser: a vida eterna. A palavra pecado tem um esquecido significado simbólico: o arqueiro, ao tentar acertar o alvo, erra-o. A morte por sua vez está relacionada à incapacidade do individuo de elevar-se para além do tempo, para a eternidade. O pecado também está, em nossa sociedade moderna, relacionada com o amor. KRISNAMURT (1981) assim aponta essas relações:
"Conheceis o tempo. Só há um tempo: o tempo do relógio. Não há outro tempo. Não há, com efeito, nenhum amanhã, a não ser o amanhã criado pelo pensamento. Na realidade, não existe amanhã. Paciência, senhores, que já vou explicar isto. A questão requer muita investigação, e não meramente, que se diga: "Que disparate estais dizendo!" Há amanhã. Tenho de ir ao escritório, tenho de ganhar dinheiro para comprar "isto" e fazer "aquilo", tenho de ir a um certo lugar - amanhã - Claro que há um amanhã - cronológico! - nas vinte e quatro horas marcadas pelo relógio. Mas, existe outra espécie de tempo? Nós fizemos o tempo - não o "tempo cronológico", porém o "tempo psicológico" - como meio de resolver nossos problemas: "Resolverei meu problema amanhã", "Farei isto", "Farei aquilo". O pensamento inventou o tempo, uma irrealidade, e esta é uma das nossas dificuldades.
Este assunto requer muita investigação, e não que se "aceite" ou "rejeite", porque toda a nossa educação, nossas maneiras de pensar - a criação de uma utopia, que significa o sacrifício do presente pelo futuro, o desenvolvimento do caráter, e a idéia "serei", "terei êxito", "ganharei", "virei a ser" - todas elas estão na esfera do tempo que o pensamento criou. E o que o pensamento criou não é real. Só há um tempo, o tempo do relógio" (p.57-58)
E continuando com a análise de KRISNAMURTI (1981) temos:
"Iremos considerar a morte em relação com o tempo, e em relação com o amor. Mas, se não compreenderdes o processo integral do tempo, não podereis entrar em contato com o problema da morte e, por conseguinte, compreendê-la. E, se não compreendeis essa coisa extraordinária chamada "morte", não compreendereis o amor. Assim, pois, o tempo, a morte, e o amor estão relacionados entre si. Naturalmente não temos tempo para analisarmos por miúdo esta questão do tempo. Se não tivésseis o "tempo", entendido como "amanhã" ver-vos-íeis frente-a-frente com vosso problema pessoal, em íntimo contato com ele. De modo nenhum se deve pensar em adiar esse problema. Não há tempo para análises. O problema tem de ser resolvido imediatamente. E pode-se resolver imediatamente qualquer problema, quando a mente não está envolvida no tempo" (p.60)
Uma idéia de tempo inteiramente fundada na explicação racional-analítica fomentou nossa concepção de progresso, produtividade e eficiência. Esses três conceitos norteiam o comportamento social das sociedades modernas. Através do conceito de tempo vinculamos a vida das pessoas à vida industrial instrumentada "sincronizando" o processo mental de organização das atividades com o nosso processo biológico interno. Acordamos sob o comando de uma máquina, fazemos todas as nossas atividades preso ao olhar atento da máquina de medir tempo, promovemos os nossos encontros sociais dirigidos pela organização mental-espacial das atividades representada por esta mesma máquina. A crença neste mecanismo nos faz sofrer e adoecer porque nossos órgãos internos não foram criados para seguir apenas um ritmo fixo determinado segundo nossa construção puramente mental-racional da realidade.
...A produtividade de que tanto nos orgulhamos tem um "preço emocional". Ela está baseada num processo maquinal-mental que leva o homem ao desequilíbrio. O “super-paradigma" da produtividade precisa ser revisado.
O tempo, como processo interno no ser humano, enraiza-se na diferença de percepção entre emoção e raciocínio. Ele gera assim um espaço na consciência, onde se opera um continuo movimento de "telas mentais", numa dinâmica de construção/destruição de equilíbrios/desequilíbrios. Esse movimento engendra a sensação do "tempo", como uma espécie de "imersão existencial", análoga à dos peixes dentro da água. Nesse espaço da consciência criamos uma realidade onde o objeto observado e o sujeito observador são reconstituídos simbolicamente. Assim, cria-se uma história pessoal, onde se diluem as fronteiras entre "ilusão" e "realidade": conversamos, discutimos, amamos e recordamos pessoas e eventos distantes de nós , ou mesmo já mortos. Einstein assim se referia a esta ilusão (apud PAGELS,1982):
"O amigo de Einstein morreu um mês antes dele, na Suiça. Exprimindo a sua imagem do mundo de determinismo absoluto, Einstein escreveu as seguintes palavras numa carta comovente ao filho e à irmã de Besso: "Agora ele deixou este estranho mundo um pouco antes de mim. Isto não significa nada. As pessoas como nós, que acreditam na física, sabem que a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão obstinadamente persistente" (p.73).
E Segundo MORIN (1977):
"A recordação é uma duplicação do acontecimento, sob a forma de imagem. Esta imagem recordada é da mesma natureza que a imagem percebida: um cérebro, animal ou humano, nunca vê, a partir de estímulos transmitidos pelos sentidos, senão uma imagem, uma representação dos acontecimentos ou das coisas. É esta imagem vista que se engrama e, depois, se reconverte em imagem. Assim, a remoração traduz a potencialidade generativa do nosso cérebro: transformar o real fenomênico em imagem, e reproduzir, re-generar esta imagem" (p.301).
O desenvolvimento da sensibilidade do homem "terrestre" é relatado nas tradicionais ciências sagradas como imerso num processo evolutivo complexo. Torna-se imperativo para a evolução humana desenvolver uma capacidade de construção simbólica que alargue os horizontes da percepção espaço-temporal. As expressões comunicativas guturais se transformam no código abstrato denominado "linguagem". O adestramento dos sentidos, juntamente com o desenvolvimento da capacidade motora, permite ao homem suas primeiras "interpretações" da realidade, registradas nas imagens pintadas em cavernas espalhadas pelo mundo. A "experiência do mundo" está vinculada a atos imperativos para a sobrevivência, que configuram uma realidade "direta" e "imediata", apenas tenuamente referida a uma outra realidade "mágica" mais abstrata, que lhe é subjacente. Nessa "experiência do mundo" cativa do domínio dos sentidos, as manifestações tremendas da natureza despertam a sensibilidade para uma intuição do transcendente e as figuras dos deuses como símbolos do mistério.
A constante observação da natureza circundante desenvolve no homem a capacidade de uma construção mental da realidade, onde a construção "sensível" fica condicionada pelos imperativos de sobrevivência em um ambiente "animalesco". O raciocínio se desenvolve imerso em necessidades da sobrevivência, onde se configuram os diversos ciclos das culturas. A humanidade sedentária distingue-se da nomâde. Emerge o apoio humano sobre previsões racionalmente construídas e a necessidade de conhecimento mais sistemático das regularidades do mundo físico. A percepção objetiva pode então crescer em descompasso com a sutilização da sensibilidade, de modo que sua realidade se "cristalize" e absolutize, tornando opaco seu caráter incompleto e "simbólico". A ciência objetiva, filha do raciocínio, conquista posição de destaque ao desenvolver um conjunto de conhecimentos eficientes e gradativamente aperfeiçoados. Emerge uma cientifização da cosmologia. Essa construção cientifizada da realidade se autoperpetua, invadindo os domínios da Estética e da Religião.
A nossa dependência para com o raciocínio cientifizado perdura até o dia de hoje. Ele engendra uma progressiva potencialização e um contínuo aprimoramento dos métodos de investigação do mundo fenomênico da natureza visando sua objetivação. Aquilo que normalmente conhecemos como "natural" é fruto do hábito. O processo de sutilização da sensibilidade, que constitui a base dos métodos de autoconhecimento, tem por finalidade investigar e modificar os hábitos adquiridos inconscientemente. Os hábitos mais enraizados são os de pensar e sentir. Neles depositamos uma crença inabalável, com eles nos identificamos totalmente. Esses hábitos são os principais desencadeadores dos outros hábitos físicos e comportamentais. O hábito de pensar sem uma auto-investigação provoca um processo de identificação e criação de "formas-pensamentos" que designaremos de "aderências".
BRENNAN (1990) assim analisa sua visão das "formas-pensamentos":
"Cada forma de pensamento contém suas próprias definições da realidade, como, por exemplo: todos os homens são cruéis; o amor é fraco; ter tudo sob controle é seguro e forte. Deduzo das minhas experiências que as pessoas, quando se movem na sua experiência diária, também se, movem por diferentes "espaços" ou níveis de realidade, definidos pelos grupos de formas de pensamento. O mundo é experimentado de maneira diferente em cada grupo ou espaço da realidade.
As formas de pensamento são realidades energéticas, observáveis, que irradiam cores de várias intensidades. Sua intensidade e sua definição de forma decorrem da energia ou da importância que a pessoa lhes deu. As formas de pensamento são criadas, construídas e mantidas pelos seus donos por intermédio dos pensamentos habituais. Quanto mais definidos e claros forem os pensamentos, tanto mais definida será a forma. A natureza e a força das emoções associadas aos pensamentos dão a forma sua cor, sua intensidade e seu poder. Esses pensamentos podem ou não ser conscientes" (BRENNAN,1990,p.146).
Essas formas-pensamentos são um a priori para a consciência num duplo sentido: i) porque a consciência não se "lembra" de como elas foram criadas e, toma-as como dado inquestionável; e ii) porque elas próprias se autonomizam com respeito à consciência. Como se fossem dotadas de vida própria. Devido a falta de hábito de auto-investigação confundimos a reflexão com o simples processamento informacional das "aderências". Ao fazermos nesse capitulo essa distinção, entendemos por reflexão:
"Reflexão: [...] ato ou efeito de refletir (-se), volta da consciência, do espírito, sobre si mesmo, para exame do próprio conteúdo, ponderação, observação" (FERREIRA,1977, p.407).
A reflexão é uma atividade do espírito humano na busca de compreensão dos princípios que dizem respeito a ele mesmo. A falta de discernimento entre "reflexão" e "aderência" conduz o ser humano a um hábito mental-emocional que induz a uma percepção distorcida da realidade. Podemos dizer que a consciência humana opera por ciclos de fluxos e refluxos, onde o fluxo é a "inspiração" e o refluxo é "expiração". No primeiro caso temos o conhecimento e no segundo o autoconhecimento. O hábito unilaterizado de produção de conhecimento como objetivações desequilibrou e está desequilibrando o processo de "respiração" da consciência. Perdemos o hábito de produção de autoconhecimento. As perplexidades dos grandes cientistas como Einstein corrobora nossas afirmações e temores:
"Tenho a firme convicção de que nenhuma riqueza de bens materiais pode fazer progredir o homem, mesmo que ela esteja nas mãos de homens que demandam uma meta superior. Pode alguém imaginar Moisés, Jesus ou Gandhi, armados de um saco de dinheiro milionário?" (apud ROHDEN,1989,p.225).
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Um comentário:
Caro Amigo,
Parabens por este trabalho, não tão comum e próprio de estudantes sérios de ciências psíquicas.
A cada um conforme sua obra e talento.
Foi um prazer ler o seu texto.
Obrigado.
B.K
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