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sexta-feira, 31 de julho de 2009

O paternalismo da crítica

Um amigo me ensinou um ótimo truque para quando um conhecido pedir opinião sobre o poema, a peça de teatro, o filme , o show dele. Ele recomendou que quando me deparasse com o artista ávido de elogios sobre seu trabalho, que achei no mínimo medíocre, diga simplesmente "É a sua cara!" Tentando ser o mais enigmático, ambíguo, possível. Se ele for uma vaidoso compulsivo, quase todos são, ele vai achar que fiz um elogio. Quando me referi à dificuldade de se fazer crítica em um meio pequeno não estava falando só do Crato, não. O texto abaixo, de Maurício Stycer, comenta como é difícil criticar o cinema brasileiro tão cheio de camaradagens e panelinhas:

O paternalismo da crítica

Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977), talvez o mais importante crítico e historiador do cinema brasileiro, disse certa vez, a título de provocação, que o pior filme nacional é melhor que qualquer filme estrangeiro.

Com esta frase famosa, Salles Gomes procurou estimular o exercício crítico de olhar para o cinema brasileiro como uma forma de expressão capaz de nos ensinar sobre a nossa própria cultura, independente da qualidade do filme. Por esse raciocínio, um mau filme pode nos ajudar a entender, por exemplo, o nosso lugar periférico no mundo, a nossa ignorância em relação a uma série de questões e, também, nos obrigar a pensar sobre o próprio cinema.

Desde a década de 60, as idéias de Salles Gomes influenciam, em diferentes graus e medidas, a crítica cinematográfica brasileira. E há razões objetivas, de natureza política e econômica, que fogem a uma discussão puramente estética, para explicar porque o cuidado ao julgar um filme brasileiro costuma ser diferente do dedicado aos filmes estrangeiros.

O Brasil não tem, como os Estados Unidos, uma indústria poderosa, capaz de produzir milhares de filmes por ano. O apoio do Estado ao cinema ainda é relativamente pequeno, comparado ao que outros países, como a França, oferecem. Cada filme que chega às telas costuma ser fruto de um esforço enorme, de muito sacrifício e dedicação, ao longo de dois ou três anos.

Também afeta, de alguma forma, e isso é um problema geral que envolve a atividade do jornalismo cultural, a proximidade do jornalista com a fonte. O mesmo crítico que jamais conhecerá o diretor estrangeiro sobre o qual escreve, é obrigado a conviver com cineastas brasileiros em festivais e eventos sociais, quando não é, por acaso, amigo do sujeito.

Para piorar, há cineastas brasileiros que, sem atentar para o constrangimento, colocam-se de pé, bem visíveis, à porta das salas de cinema, nas sessões especiais em que seus filmes são exibidos para a imprensa.

Por tudo isso, de uma maneira geral, há um cuidado maior no momento de avaliar um filme brasileiro. Entendo e respeito. Mas me preocupo quando percebo que esse cuidado deságua numa condescendência paternal. Crítico de cinema não deveria ser paternal nunca.

Mas, sendo inevitável tratar do filme brasileiro como uma criança que precisa de cuidados, que o crítico seja, ao menos, um pai severo. Nada pior para um filho que o pai que não sublinha as diferenças entre o certo e o errado.

Passar a mão na cabeça de um diretor pelas poucas qualidades de seu filme e fingir indiferença em relação aos seus defeitos é um desserviço que os críticos, às vezes, prestam ao cinema brasileiro.

Mauric

3 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Maurício: eu tenho por mim que o crítico brasileiro não será diferente do diretor brasileiro. Ambos sofrem da mesma inadimplência e da pobreza de meios e produtos. Se seguirmos este raciocínio é lógico que o crítico americano tenha muito mais experiência comparativa e estética do que qualquer crítico brasileiro, dada a exuberância da própria indústria cinematográfica brasileiro. Não nos enganemos: os Cachiers de Cinema só foram pródigos pela natureza de um lado da grande capacidade intelectual francesa de então e do outro, por ter se focado na possível estética da pequena produção cinematográfica daquela geração de cineasta franceses. Se fossem usar os mesmos parâmetros da crítica americana teriam ficado parecidos com esta história do cinema brasileiro. Aliás teve uma crítica brasileira mais objetiva e não menos personalista que a francesa foi que é a do cinema novo. E novamente estamos na questão do foco. Agora eu não consigo enxergar pais válidos e acima da própria produção brasileiro, acho que isso ou é delírio de colunista ou algo do intramuro acadêmico. Se fosse assim, do mesmo modo que o Crítico pode desbancar o diretor na porta da estréia, o diretor igualmente desbancará o crítico na inconsistência da produção brasileira.

Maurício Tavares disse...

Zé do Vale
Estou me preparando para viajar a trabalho e ficarei uma semana mais ou menos longe da internet (meu bem, meu zen, meu mal). Mas entendo a provocação do crítico principalmente no aspecto que me interessa: a dificuldade de se criticar os amigos. Como as pessoas do Criricult escrevem mensagens cifradas eu também faço uso de mensagens indiretas. O Cahiers de Cinema (que difundiu o conceito de cinema de autor) foi responsável por o interesse intelectual pelo cinema americano. A França era, e é cada vez mais, obcecada pela produção do país que lhe substituiu no papel de centro do mundo.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Maurício: errei feio: quando escrevi "exuberância da própria indústria cinematográfica brasileiro", deveria ter dito "americana". A internet é isso mesmo, a sua chamada foi precisa, mas o que enfoquei foi o artigo em si. Aliás, você leu a minha sugestão sobre o Festival de linguagem eletrônica? Após a viagem, teria tempo de fazer uma síntese sobre o assunto?