Por Aeronauta
Ontem alguém me perguntou "onde passei a ilusão". Tranquilamente respondi "passei em casa". Não quis alongar-me na conversa (ultimamente ando com muita preguiça), mas passagem de ano é tudo, menos ilusão. O imaginário coletivo já cunhou há muito tempo no mundo esse símbolo: não como há retirá-lo de nossa psique. Portanto, é um recomeço, não tem jeito. A ilusão, acredito, está na repetição dos festejos - que, como todo lugar comum, perde a força. Hoje tenho o maior constrangimento em desejar feliz 2010 a alguém: não acredito na frase, apesar de desejá-la verdadeira; a frase nega a veracidade de minha alma. A frase banalizou-se, virou comércio. O que fazer, meu Deus, com meus sentimentos? Quais palavras dirão ao menos um pouco deles? Nenhuma palavra conseguirá. Por isso fiquei muda nesses dias. Fiquei muda, sem uma palavra que significasse o símbolo - o símbolo, pois não há como retirá-lo de mim. Claro, é recomeço; e não é só o calendário proclamando isso, é minha alma muda.
Ontem alguém me perguntou "onde passei a ilusão". Tranquilamente respondi "passei em casa". Não quis alongar-me na conversa (ultimamente ando com muita preguiça), mas passagem de ano é tudo, menos ilusão. O imaginário coletivo já cunhou há muito tempo no mundo esse símbolo: não como há retirá-lo de nossa psique. Portanto, é um recomeço, não tem jeito. A ilusão, acredito, está na repetição dos festejos - que, como todo lugar comum, perde a força. Hoje tenho o maior constrangimento em desejar feliz 2010 a alguém: não acredito na frase, apesar de desejá-la verdadeira; a frase nega a veracidade de minha alma. A frase banalizou-se, virou comércio. O que fazer, meu Deus, com meus sentimentos? Quais palavras dirão ao menos um pouco deles? Nenhuma palavra conseguirá. Por isso fiquei muda nesses dias. Fiquei muda, sem uma palavra que significasse o símbolo - o símbolo, pois não há como retirá-lo de mim. Claro, é recomeço; e não é só o calendário proclamando isso, é minha alma muda.
Porém, como todo recomeço, é recheado de repetição. Afinal tudo se repete... Ser condenado a se repetir, a tomar banho todos os dias, a comer todos os dias, a dormir todos os dias... essa coisa cíclica é um filme de terror. Conheço todos os caminhos da segunda, da terça, da quarta, de janeiro, fevereiro, março... Mas minha alma insiste no símbolo. O símbolo da transfiguração, da mudança, do divino. Nunca nem vi alma do outro mundo, mas intuo. Intuo constelações de felicidades amenas em outras almas que vejo, por aqui mesmo. Acredito, ah, acredito na felicidade. Há coisa mais piegas?, Acreditar na felicidade? Há coisa mais grave? É tudo mentira, eu sei. O que ainda não aprendi é rastrear com acuidade e inteligência essa mentira.
Não se iluda, a vida dos seres humanos, tanto na dimensão coletiva quanto na individual, é sempre montada sobre um mito, sobre uma lenda, sobre uma mentira, enfim. (Juan José Millás, in "Laura e Julio")
Imagem: "Fada da ilusão"-MysticalBlessing-2000, por tatinha2007.
(http://www.flickr.com/)
Publicado em wwwaeronauta.blogspot.com
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