Um poema de amor
(diz quem ama)
escreve-se sonhando.
Deixei há muito tempo
os sonhos de molho
dentro do copo de vidro
juntamente com a dentadura
da minha vozinha querida.
Não tenho forças
para escrever um poema
desses que arrebatam
a alma do solitário
e faz nascer um risinho torpe
no canto dos lábios daquele
sujeito sortudo:
ao dia febre
à noite língua de namorada.
Até esqueci as palavras
as imagens, o ritmo
matéria delicada
ao escrever um poema
desses que levam o incrédulo
a morrer às gargalhadas.
Poema de amor deve-se (creio)
escrever chorando com o soluço
acorrentado no meio da garganta.
Ninguém deve ouvir
as loucas batidas do peito.
Nem a sombra dos dedos
deve estar próxima.
É um tipo de extermínio
próprio, individual, oculto.
Diz quem ama,
escrito um poema de amor
todo feriado é santo
todo repouso é sagrado.
Batalhas somente
nos braços da amada.
(Aquele sinal
marca de vacina)
Sinto, mas não tenho forças
para escrever um poema de amor.
Mesmo porque há muito tempo
esqueci o copinho de vidro
(com todos os sonhos dentro)
sobre a penteadeira
do guarda-roupa.
A dentadura?
Lembro-me agora:
a vozinha querida
levou ao túmulo.
2 comentários:
Que saque poético! Muito legal!
Abraços
Mago Pachelly,
um forte abraço.
Que teu som permaneça
uma eterna Alquimia!
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