TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Traição

Canta um passarinho
na varanda do vizinho.

Nem sempre ouço.
Mas sei que canta.

O passarinho me pede
por telepatia
que lhe salve
da gaiola.

Sou um covarde.
Sorrio para o vizinho
e até lhe agradeço
pelo canto do passarinho.

Deveria mesmo cravar-lhe
uma chave de fenda
no pescoço.

Mas sou um covarde.
Calo-me.

Sequer esboço
olhar de censura.

Chego ao cúmulo
de elogiar os sagrados hinos
que ecoam da sua varanda.

O vizinho se enche de orgulho.
Diz que todos os seus passarinhos
bem tratados com água doce
e farelos pão de mel.

Ouço sua voz de gralha.
Enquanto minha vontade
é lhe esmurrar a cara.
Quebrar-lhe os dentes.

Mas sou um covarde.
Estendo-lhe a mão.
Disfarço.

"até logo, vizinho,
seus passarinhos uma joia..."

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