TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Profundamente


Manuel Bandeira


Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Estrondos de bombas luzes de Bengala

Vozes, cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.


No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam, errantes


Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?


— Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Profundamente.


*

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci


Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Rosa

Onde estão todos eles?


— Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.



Texto extraído do livro "Antologia Poética

- Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira

– Rio de Janeiro, 2001, pág. 81.

2 comentários:

Jayane disse...

Tinha esse poema no meu livro de português da sétima série. Na época me parecia tão bobo e sem sentido. Anos depois eu o reencontro, assim tão cheio de sentido e de dor. Tudo passa sobre a terra.

jflavio disse...

Nunca lemos o mesmo poema. Sempre é um outro que nos surge aos olhos na próxima leitura. Aos poucos o Profundamente de Manuel vai fazendo sentido quando começam a faltar personagens importantes no nosso livro de chamada.