Le Monde
A disputa prometia ser incerta entre os dois principais candidatos à eleição presidencial de 3 de outubro no Brasil.
Pelo menos em teoria.
Do lado do governo, Dilma Rousseff, 62 anos. Essa mulher de bastidores, competente e trabalhadora, fez a maior parte de sua carreira em cargos administrativos, antes de ser notada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e depois promovida a chefe da Casa Civil, uma espécie de primeira-ministra não-oficial. Absorvida por essa função crucial, mas discreta, e nunca tendo enfrentado as urnas, “Dilma” era, até seis meses atrás, desconhecida da maioria dos brasileiros.
Do lado da oposição, José Serra, 68 anos. Esse político de longa experiência, à vontade nos palanques e diante das câmeras, tem a vantagem de uma trajetória com saldo muitas vezes favorável, como ministro da Saúde (1998-2002) e como governador (2007-2010) do Estado de São Paulo, que abriga a maior cidade da América do Sul. Para esse homem, enfrentar e vencer uma adversária novata em política parecia uma aposta razoável.
Hoje, a cinco semanas do pleito, a neófita se encontra bem à frente de seu rival. As pesquisas lhe dão uma vantagem de 10 a 15 pontos e chegam a prever a vitória logo no primeiro turno. A terceira candidata mais importante, a ambientalista Marina Silva, está estagnada com cerca de 10% das intenções de voto. A menos que haja uma reviravolta, Dilma Rousseff se tornará, no dia 1º de janeiro de 2011, o 40º presidente da República do Brasil, e a primeira mulher a ocupar essa função.
Por que se está vendo um cenário como esse, que tira o suspense da campanha? A resposta reside em uma palavra: Lula. Pela primeira vez em 21 anos, o ex-metalúrgico não participa de uma disputa presidencial, uma vez que a Constituição lhe impede de concorrer a um terceiro mandato de quatro anos.
Mas o chefe do Estado continua sendo o principal personagem da competição. Ele envolveu a fundo na campanha para conseguir a vitória daquela que ele escolheu secretamente para ser sua sucessora já há dois anos, que em seguida a apresentou ao público ao dividir com ela os palanques de seus comícios, e que ele impôs à sua própria família política, argumentando que ela era a melhor para sucedê-lo.
Dirigindo-se aos hesitantes, Lula está sempre elogiando “Dilma”, especialmente durante a propaganda eleitoral na TV, onde ele aparece para apoiar sua favorita. Ele mostra a mesma “generosidade” para com todos aqueles que, em seu partido, bem como nos partidos aliados, conseguiram sua simpatia: deputados federais, senadores, membros das assembleias legislativas do Estado, que buscam ser eleitos ou reeleitos em 3 de outubro.
Lula tem cedido a Dilma Rousseff grande parte dos méritos que até hoje ele costumava atribuir a si mesmo, ao conduzir uma política econômica e social de sucessos inegáveis. Ele a chama de “mãe do povo” após tê-la batizado de “mãe do PAC” – um programa de grandes obras visando estimular o crescimento - ou ainda “mãe do programa Luz para Todos”. Daí a ironia de Marina Silva, que lamenta assim a “infantilização” dos cidadãos.
Lula costuma contar que aos poucos foi descobrindo na administradora e técnica Dilma Rousseff “um animal político” de personalidade forte. Estranha confissão, considerando se tratar de uma mulher que ele sabia ter sido, aos 20 anos, ativista revolucionária sob a ditadura militar e que pagou caro por sua militância: 22 dias de tortura e três anos de prisão.
O presidente brasileiro está prestes a conseguir um feito raríssimo na política: ele deixará o cargo com mais popularidade do que quando entrou na presidência, com cerca de 80% de opiniões favoráveis, um número estável há muitos meses.
Ele investiu esse enorme capital de simpatia em benefício de sua herdeira política. A operação hoje está dando frutos. No início de 2010, os analistas se perguntavam se Lula conseguiria transferir a Dilma uma parte suficiente de sua popularidade. Hoje não há mais dúvidas.
A provável futura presidente, entretanto, não possui nem o carisma nem o dom da oratória que fizeram o sucesso de Lula. Seu batismo de fogo, durante o primeiro debate televisionado, há três semanas, só foi parcialmente bem sucedido. Desde então, com a ajuda das pesquisas, ela parece ter adquirido confiança em si mesma.
Mas o principal está em outro lugar, para a maioria dos brasileiros que amam o presidente e só acompanham a vida política de longe: Dilma Rousseff é “a candidata de Lula”. É garantia suficiente. São muitos os eleitores que poderiam dizer, como esse pedreiro do Nordeste contou à revista “Veja”: “Se Lula apoiasse Serra, eu votaria no Serra”.
José Serra não tem chance. Mais uma vez, esse veterano social-democrata, respeitado e competente, encontra Lula em seu caminho. Perdeu para ele em 2002, e preferiu não enfrentá-lo em 2006, certo de que seria derrotado. Essa campanha é sua última oportunidade para se tornar presidente, um objetivo para o qual ele diz “ter se preparado a vida inteira”. E novamente é Lula, mais do que Dilma Rousseff, que o impedirá de atingi-lo.
Não só o líder da oposição toma cuidado para nunca criticar Lula, como ele tenta se aproveitar do prestígio do presidente. Algumas de suas propagandas o mostram ao lado de Lula, e seu jingle eleitoral proclama, em ritmo de samba, uma mensagem deliberadamente ambígua: “Quando o Lula da Silva sair/É o Zé que eu quero lá”.
Para José Serra, é importante mostrar que “Dilma não é Lula”, que ela não tem mais direito do que qualquer outro de sucedê-lo. O presidente, que sentiu o perigo, tem feito cada vez mais elogios à sua candidata. Ele chega a anunciar que, se ela for eleita, ele viajará pelo Brasil e, se for preciso, lhe telefonará dizendo: “Pode fazer, minha filha, que eu não consegui fazer”. Ninguém deve duvidar que votar em Dilma Rousseff, em 3 de outubro, é satisfazer a vontade de Lula.
Assim, José Serra corre o risco de ser vítima de um fenômeno talvez inédito em uma grande democracia, e que deverá empolgar os cientistas políticos: a eleição de um chefe de Estado graças ao brilho da glória que seu antecessor projeta sobre sua candidatura.
Tradução: Lana Lim
Do lado do governo, Dilma Rousseff, 62 anos. Essa mulher de bastidores, competente e trabalhadora, fez a maior parte de sua carreira em cargos administrativos, antes de ser notada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e depois promovida a chefe da Casa Civil, uma espécie de primeira-ministra não-oficial. Absorvida por essa função crucial, mas discreta, e nunca tendo enfrentado as urnas, “Dilma” era, até seis meses atrás, desconhecida da maioria dos brasileiros.
Do lado da oposição, José Serra, 68 anos. Esse político de longa experiência, à vontade nos palanques e diante das câmeras, tem a vantagem de uma trajetória com saldo muitas vezes favorável, como ministro da Saúde (1998-2002) e como governador (2007-2010) do Estado de São Paulo, que abriga a maior cidade da América do Sul. Para esse homem, enfrentar e vencer uma adversária novata em política parecia uma aposta razoável.
Hoje, a cinco semanas do pleito, a neófita se encontra bem à frente de seu rival. As pesquisas lhe dão uma vantagem de 10 a 15 pontos e chegam a prever a vitória logo no primeiro turno. A terceira candidata mais importante, a ambientalista Marina Silva, está estagnada com cerca de 10% das intenções de voto. A menos que haja uma reviravolta, Dilma Rousseff se tornará, no dia 1º de janeiro de 2011, o 40º presidente da República do Brasil, e a primeira mulher a ocupar essa função.
Por que se está vendo um cenário como esse, que tira o suspense da campanha? A resposta reside em uma palavra: Lula. Pela primeira vez em 21 anos, o ex-metalúrgico não participa de uma disputa presidencial, uma vez que a Constituição lhe impede de concorrer a um terceiro mandato de quatro anos.
Mas o chefe do Estado continua sendo o principal personagem da competição. Ele envolveu a fundo na campanha para conseguir a vitória daquela que ele escolheu secretamente para ser sua sucessora já há dois anos, que em seguida a apresentou ao público ao dividir com ela os palanques de seus comícios, e que ele impôs à sua própria família política, argumentando que ela era a melhor para sucedê-lo.
Dirigindo-se aos hesitantes, Lula está sempre elogiando “Dilma”, especialmente durante a propaganda eleitoral na TV, onde ele aparece para apoiar sua favorita. Ele mostra a mesma “generosidade” para com todos aqueles que, em seu partido, bem como nos partidos aliados, conseguiram sua simpatia: deputados federais, senadores, membros das assembleias legislativas do Estado, que buscam ser eleitos ou reeleitos em 3 de outubro.
Lula tem cedido a Dilma Rousseff grande parte dos méritos que até hoje ele costumava atribuir a si mesmo, ao conduzir uma política econômica e social de sucessos inegáveis. Ele a chama de “mãe do povo” após tê-la batizado de “mãe do PAC” – um programa de grandes obras visando estimular o crescimento - ou ainda “mãe do programa Luz para Todos”. Daí a ironia de Marina Silva, que lamenta assim a “infantilização” dos cidadãos.
Lula costuma contar que aos poucos foi descobrindo na administradora e técnica Dilma Rousseff “um animal político” de personalidade forte. Estranha confissão, considerando se tratar de uma mulher que ele sabia ter sido, aos 20 anos, ativista revolucionária sob a ditadura militar e que pagou caro por sua militância: 22 dias de tortura e três anos de prisão.
O presidente brasileiro está prestes a conseguir um feito raríssimo na política: ele deixará o cargo com mais popularidade do que quando entrou na presidência, com cerca de 80% de opiniões favoráveis, um número estável há muitos meses.
Ele investiu esse enorme capital de simpatia em benefício de sua herdeira política. A operação hoje está dando frutos. No início de 2010, os analistas se perguntavam se Lula conseguiria transferir a Dilma uma parte suficiente de sua popularidade. Hoje não há mais dúvidas.
A provável futura presidente, entretanto, não possui nem o carisma nem o dom da oratória que fizeram o sucesso de Lula. Seu batismo de fogo, durante o primeiro debate televisionado, há três semanas, só foi parcialmente bem sucedido. Desde então, com a ajuda das pesquisas, ela parece ter adquirido confiança em si mesma.
Mas o principal está em outro lugar, para a maioria dos brasileiros que amam o presidente e só acompanham a vida política de longe: Dilma Rousseff é “a candidata de Lula”. É garantia suficiente. São muitos os eleitores que poderiam dizer, como esse pedreiro do Nordeste contou à revista “Veja”: “Se Lula apoiasse Serra, eu votaria no Serra”.
José Serra não tem chance. Mais uma vez, esse veterano social-democrata, respeitado e competente, encontra Lula em seu caminho. Perdeu para ele em 2002, e preferiu não enfrentá-lo em 2006, certo de que seria derrotado. Essa campanha é sua última oportunidade para se tornar presidente, um objetivo para o qual ele diz “ter se preparado a vida inteira”. E novamente é Lula, mais do que Dilma Rousseff, que o impedirá de atingi-lo.
Não só o líder da oposição toma cuidado para nunca criticar Lula, como ele tenta se aproveitar do prestígio do presidente. Algumas de suas propagandas o mostram ao lado de Lula, e seu jingle eleitoral proclama, em ritmo de samba, uma mensagem deliberadamente ambígua: “Quando o Lula da Silva sair/É o Zé que eu quero lá”.
Para José Serra, é importante mostrar que “Dilma não é Lula”, que ela não tem mais direito do que qualquer outro de sucedê-lo. O presidente, que sentiu o perigo, tem feito cada vez mais elogios à sua candidata. Ele chega a anunciar que, se ela for eleita, ele viajará pelo Brasil e, se for preciso, lhe telefonará dizendo: “Pode fazer, minha filha, que eu não consegui fazer”. Ninguém deve duvidar que votar em Dilma Rousseff, em 3 de outubro, é satisfazer a vontade de Lula.
Assim, José Serra corre o risco de ser vítima de um fenômeno talvez inédito em uma grande democracia, e que deverá empolgar os cientistas políticos: a eleição de um chefe de Estado graças ao brilho da glória que seu antecessor projeta sobre sua candidatura.
Tradução: Lana Lim
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