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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Funcionário público envia livros para comunidades carentes do Nordeste - Leilane Menezes
(MATÉRIA PUBLICADA NO CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE 11.01.11)
Por iniciativa própria e sem qualquer subsídio, multiplicador de conhecimento ajuda a ampliar os horizontes de muita gente
Quando o caminhão abastecido de livros entra na cidade, é como se um oásis se abrisse em meio ao calor e à secura evidentes na paisagem. Ali, as pessoas têm sede de conhecimento. A cena se repete em cada uma das localidades do Nordeste para as quais o funcionário público Elmano Rodrigues Pinheiro, 61 anos, envia os presentes. Há 15 anos, ele recolhe doações de livros em Brasília, para mandá-los a quem não tem acesso a essa riqueza. Todo ano, são pelo menos 50 mil unidades. Para pagar os fretes, Elmano já vendeu até um apartamento no Rio de Janeiro e um carro. A única recompensa é ver gente simples se deliciando com os livros. Ele começou fazendo doações a bibliotecas já montadas e, recentemente, tomou a iniciativa de construir novos espaços.
Elmano é um multiplicador de conhecimento. Entrar na casa dele, no Park Way, é como estar em uma grande biblioteca. Os exemplares acumulados ali, porém, não são de sua propriedade. Serão doados em breve para a inauguração de espaços destinados à leitura. As cinco toneladas de livros seguirão de carreta até o Ceará, em dois meses. Vieram de doações, especialmente da Fundação Assis Chateaubriand, vinculada aos Diários Associados.
O doador de livros nasceu em Farias Brito, na região do Crato, Cariri cearense. Em casa, ao lado de sete irmãos e dos pais, descobriu o prazer da leitura. Seus pais eram responsáveis pela única biblioteca (que era privada) da cidade. Em 1958, o pai de Elmano, o candidato a prefeito Enoch Rodrigues, morreu assassinado em uma disputa pelo comando político da região. A mãe, Maria, mesmo passando a enfrentar dificuldades, não deixou de lado a educação dos filhos. Montou uma pequena escola para dar aula a crianças de famílias carentes. “Esse valor que eles davam à educação me marcou muito”, lembra Elmano.
O funcionário público mudou-se para Brasília há mais de 30 anos e, desde então, trabalha na Editora da Universidade de Brasília (UnB). Ali, o publicitário de formação teve contato com uma grande quantidade de títulos, nem sempre bem aproveitados por aqui. “Eu via todos aqueles livros e lembrava que na minha cidade não tinha nem sequer uma biblioteca. Daí nasceu a ideia de mandar as publicações para lá, para incentivar o gosto pela leitura. Pensei nos meus. A gente roda o mundo todo, mas o coração fica preso.”
Aos poucos, no boca a boca, o funcionário público ficou conhecido pelas arrecadações de exemplares. Amigos, colegas e desconhecidos, sempre que precisavam se desfazer de suas bibliotecas particulares, procuravam Elmano, certos de que os livros teriam um bom destino. “Com as moradias cada vez menores e as pessoas cada vez mais presas ao computador, muita gente quer se desfazer de bibliotecas inteiras”, observa.
Padarias
Na Casa do Ceará, em Brasília, Elmano descobriu o termo “padarias espirituais”. O nome surgiu em um movimento modernista, no fim do século 19. Naquela época, o romancista e poeta cearense Antonio Sales e outros intelectuais investiram na popularização da produção cultural voltada para a literatura. “Isso me inspirou. Resolvi chamar as bibliotecas de padarias espirituais, porque é lá que as pessoas encontram o alimento do espírito”, explica.
A intenção é construir 100 bibliotecas comunitárias no Ceará. Boa parte delas já está de pé. “Com essa carreta que vamos enviar, no máximo em dois meses, atingiremos a meta das 20 bibliotecas, só em Juazeiro (CE). Então, será o momento de partir para outros estados do Nordeste e fora de lá também”, empolgado.
Com a divulgação de seu trabalho, Elmano recebe ligações de prefeitos e de várias outras pessoas interessadas em levar livros para as cidades. “Eles dão um jeito de pagar o frete e eu me comprometo a conseguir milhares de livros. A parceria funciona assim. Eu também corro atrás de apoio de deputados, de ministérios, para conseguir enviar o material.”
Independente
O multiplicador tem ajuda de várias editoras e da Câmara dos Deputados, mas não recebe nenhuma verba do governo para fazer o trabalho. E nem pretende requisitar esse tipo de incentivo: “Não quis registrar minha fundação. Administrar dinheiro público pode desvirtuar o objetivo”. Elmano sabe da importância de atitudes como a sua, para democratizar a cultura e o conhecimento no nosso país. “Se não existir iniciativa privada, a coisa não anda. Esperar pelo governo não dá, porque muitas vezes quem comanda não está interessado em promover educação, não quer que as pessoas entendam seus direitos”, avalia.
Ao lado da mulher, Alcimena Vieira Botelho, ele faz a triagem no material recebido. Entre os títulos, vão livros técnicos, literatura, apostilas para concursos públicos e muito mais. “É um mundo de conhecimento que chega até lá.” Elmano já perdeu a conta de quantas toneladas de livros mandou para fora do DF. Além do Nordeste, a Amazônia, o estado de Tocantins e outras regiões já foram beneficiados. Com isso, ele quer dar condições às pessoas para que elas pensem. “Quando leem, elas começam a criar, a saber do que são capazes, a identificar o que está errado na sociedade e a querer mudanças. Mais do que livros, estamos doando condições”, acredita.
As primeiras bibliotecas foram construídas em Juazeiro, no bairro de João Cabral, um dos mais pobres da região. “Tenho uma grande preocupação com o envolvimento dos jovens com as drogas, em especial o crack. Acredito que o acesso à leitura, à cultura, pode ajudar muito a desviá-los desse caminho.” Farias Brito, a terra natal, também não ficou de fora. “O livro é vivo, presente. Antes, chegava com muita dificuldade. Agora isso começa a mudar”, orgulha-se.
A ideia de Elmano inspirou mais gente. Muitos quiseram juntar-se a ele. Aos poucos, começam a surgir diversos pontos de leitura em regiões carentes do Nordeste. “Meu povo tem uma cultura vasta, são muitas manifestações, como o cordel. Essa riqueza não pode ser esquecida. A imagem do nordestino que está sempre de mão estendida, pedindo, tem de mudar. Quem tem cidadania consegue tudo.” Exemplo perfeito da riqueza, da força que vem do Nordeste, Elmano não desanima em sua caminhada. Enquanto tiver vida, vai contagiar mais e mais gente com sua paixão.
QUER AJUDAR?// Quem tiver livros para doar pode entrar em contato com Elmano: 9983-3472.
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