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quinta-feira, 30 de junho de 2011

As Contradições Nacionais: Os Casos da Antropologia e da Saúde Pública - José do Vale Pinheiro Feitosa

Se alguém anunciar que existe uma ironia no fato de que a Antropologia seja a ciência do outro e que foi em quase toda parte fundada por estrangeiros, talvez não seja ironia, seja o espelho do nascimento da Antropologia. Como a Medicina Tropical, uma ciência forjada na expansão colonial, especialmente da Pax Brittanica. Aqui no Brasil a antropologia praticamente nasceu com Curt Nimuendaju estudando os povos indígenas por certo que o espaço das florestas era aquele propício a toda expansão, especialmente de exploração de minerais e áreas de fronteiras para a produção agrícola.

Queiramos ou não a força da Antropologia brasileira nasceu nos estudos dos povos originais das Américas. E os povos nativos não eram traduzidos em como eles se pensavam, mas como o exótico extraído da visão do outro (o estrangeiro). O famoso mapa etnológico de Curt Nimuendaju tem vastos traços de fronteira mais significativos dos vários grupos de pesquisadores e seus interesses do que propriamente dos povos estudados. O mapa continua uma referência, mas é preciso considerar tal coisa. Igualmente é assim para os estudos sobre o negro no Brasil, fundado por Nina Rodrigues que guardava o traço do outro estudado pelo “estrangeiro”.

O importante é que a antropologia e a saúde pública brasileira migraram de um “projeto” de fora para um por dentro de um projeto nacional. Entre os anos 30 e 40 a antropologia se encontra fortemente marcada pela chegada do império americano com o seu cinema sonorizado e os falares em inglês e claro da literatura nesta língua. Nos anos 50, o projeto nacional se consolidava em desenvolvimento e a antropologia andou junto com a institucionalização das ciências sociais.

A presença na USP de Lévi-Strauss e Roger Bastide não marca um momento francês absoluto da nossa antropologia. O primeiro logo após a guerra se aproxima intelectualmente dos EUA e este país, assim como fez com a saúde pública passa a ter enorme influência na formação de antropólogos brasileiros em momentos de forte influência, ora da Universidade de Chicago (Donald Pierson), noutra Colúmbia e depois Harvard. A formação do Museu Nacional no Rio de Janeiro e dos centros da USP, igualmente aconteceu com a saúde pública, com a Escola de Higiene e até mesmo a FIOCRUZ, além do Instituto Evandro Chagas, políticas e programas de controle e erradicação de doenças, são territórios de estrangeiros no mesmo ímpeto expansivo da produção industrial de produtos de base científica. Isso quer dizer: é preciso limpar a área de expansão do capital e vender as conquistas da ciência para os nativos.

No caso da Saúde Pública, logo após o momento Oswaldo Cruz, ligado ao Pasteur, tudo o mais anda tocado pela Fundação Rockfeller e a Universidade mantida por ela: John Hopkins. O mais emblemático desta interferência estrangeira no país dos anos 30 a 50 é que equipes inteiras vieram e tomaram conta de territórios completos. O nordeste destes anos ficou pelas mãos de pesquisadores americanos no controle da Febre Amarela. Os antropológicos que estudam as nossas manifestações subjetivas devem lembrar-se do Papa Figo, um mito dos sertões decorrente do hábito dos “vigilantes” da Fundação Rockfeller em coletar amostras de fígado com um necrótomo em mortos dos sertões.

Tudo muda com o tempo. E como na dialética hegeliana o movimento de mudança é um jogo de contradições entre opostos em luta. O simples surgimento de um projeto nacional a partir da revolução de 30, que leva o país a instituir idéias e estruturas para operação delas sobre o que é o interesse nacional e o que é a manifestação do brasileiro, não interpretada pelo projeto de outros povos.

Devemos tomar muito cuidado para identificar as partes em contradição. Não negar a contradição, pelo contrário interpretá-la corretamente. Duas Conferências Nacionais de Saúde têm um poder de formulação seminais para o que ocorre no Brasil de hoje. A Terceira Conferência Nacional de Saúde, realizada no final do ano de 1963 assenta as bases para uma política nacional independente e sobre a égide do interesses da população brasileira. A Oitava Conferência, realizada em 1986 no momento da redemocratização do país, retoma as bases da Terceira, como o caso da municipalização, mas comente o erro de privatizar os serviços de saúde e abdicando de um programa de estatização da fabricação de insumos, inclusive com poder regulador do mercado. Deixar que o mercado resolvesse é resolver-se pela atividade meramente mercantil ao invés da racionalidade técnico-científica e pelo discernimento político de uma base social sustentada sobre direitos universais. Direitos universais que sob operação de disputas mercantis se tornam o deserto de iniqüidades.

A outra contradição histórica, salvo melhor juízo, é a famosa disputa entre Darcy Ribeiro e Roberto Da Matta na Revista Civilização Brasileira no final dos anos 70. O conteúdo é vasto e interessante e se encontra disponível até hoje nas páginas da revista. Não vem ao caso sua repetição. Mas contemplar a contradição refletida entre o momento do “projeto de fora” e o “projeto de dentro”. Darcy Ribeiro vinha da Fundação da Universidade de Brasília, de um governo derrotado por um golpe militar que pretendia Reformas de Base que alargariam a base econômica da sociedade brasileira. Roberto Da Matta ficara no ambiente aceito da academia olhando para fora. Diversificando o objeto político da antropologia em compartilha com um “universo” dominador de um agente ditador de parâmetros, conteúdos e interesses.

A contradição entre a força de “fora” e a expressão da força de “dentro” continua a ser objeto do interesse de quem encontrar disposição para tal.

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