TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 23 de outubro de 2011

PARA QUE SERVE A UTOPIA? - José do Vale Pinheiro Feitosa

Estou postando esta entrevista com Eduardo Galeano como uma consequência do texto que acabei de postar aqui nos blogs do cariri. Como forma de oferecer opções estou postando o vídeo da entrevista e também o texto com algumas modificações na tradução para o português.

“Se não me deixais sonhar, não os deixarei dormir.”


Para que serve a Utopia?

A utopia está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se caminho dez passos em busca dela, ela se afastará mais dez passos. Quanto mais a busque, menos a encontrarei, por que ela vai se distanciando à proporção que me aproxime dela. Boa pergunta não? Para que serve. Pois a utopia serve para caminharmos.

“Que tal se deliramos por um momentinho. Que tal se fixarmos os olhos para além das infâmias para adivinhar outro mundo possível.

O ar estará limpo de todos os venenos que não provenham dos medos humanos e das humanas paixões. Nas ruas os automóveis serão esmagados pelos cachorros. A pessoa não será manejada pelos automóveis e nem será programa pelo computador, não será comprada pelo super-mercado e nem será tampouco assistida pela televisão. A televisão deixará de ser o membro mais importante da família e será tratada como o ferro de passar ou máquina de lavar roupas.

Se incorporará aos códigos penais o delito de estupidez que cometem que lhes vivem por ter ou por ganhar ao invés de viver por viver não mais como canta o pássaro sem saber que canta, como brinca a criança sem saber que brinca.

Em nenhum país serão presos os jovens que se neguem a cumprir o serviço militar, se não os que queriam cumpri-los. Ninguém viverá para trabalhar, mas todos trabalharão para viver.

Os economistas não chamarão de vida para nível de consumo e nem chamará de qualidade de vida a quantidade de coisas. Os cozinheiros não acreditarão que as lagostas lhes encanta que lhas queiram fervidas. Os historiadores não acreditarão que aos países se lhes encanta serem invadidos. Os políticos não acreditarão que aos pobres se lhes encanta comer promessas.

A solenidade deixará de crer que seja uma virtude. E ninguém e ninguém tomará a sério alguém que não seja capaz fazer crítica a si mesmo. A morte e o dinheirão perderão seus mágicos poderes e nem por morte e nem por sorte se tornará o canalha em virtuoso cavalheiro. A comida não será uma mercadoria e nem a comunicação será um negócio, por que a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome por que ninguém morrerá de indigestão.

As crianças da rua não será tratados como lixo por que não haverá crianças nas ruas. Os meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro, por que não haverá meninos ricos. A educação não será privilégio de quem lhas possa pagar e a polícia não será maldição de quem não lha possa comprá-la. A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viverem separadas, poderão se juntar, bem coladas, costa contra costa.

E na Argentina as Loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, por que elas se negaram a esquecer nos tempos da amnésia obrigatória. A Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas da tábuas de Moisés e o Sexto Mandamento mandará festejar ao corpo. A igreja mandará editar outro mandamento que se lhes havia esquecido Deus: amarás a natureza da qual fazes parte. Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma.

Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, por que eles se desesperaram de tanto esperar e eles se perderam por tanto buscar. Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de beleza e vontade de justiça. Tenham nascido quando hajam nascido e hajam vivido onde hajam vivido sem que lhes importe nem um pouquinho as fronteiras do mapa e do tempo.

Seremos imperfeitos por que perfeição continuará sendo o aborrecido privilégio dos Deuses. Porém neste mundo e neste mundo atrapalhado e fodido, seremos capazes de viver cada dia como se fosse o primeiro e cada noite como se fosse a última.

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