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domingo, 13 de novembro de 2011

Napoleão um colega de Anduiá no Piaui - José do Vale Pinheiro Feitosa

O sucesso se tornou algo totalizador. É irmão do mérito e sua estrutura de privilégios. Funciona como gerador de dinheiro e, portanto, como um negócio bem vendido. Então ele é: totalitário, meritocrata e financeiro.

A tendência das três coisas é a exclusão e a concentração. Não importa o que e nem quem, tudo sempre tenderá para uma seleção redutora da realidade existente no mundo. Isso quer dizer que o sucesso é apenas a exclusão e a escolha, nunca o espelho da realidade. O sucesso não é uma medida da humanidade, é apenas o formato da junção: total, mérito e grana.

Quando dizemos que Pelé é o melhor jogador do mundo, apenas estamos repetindo a fórmula do sucesso. Não estamos representando a humanidade, quantos “Pelés” foram contemporâneos do sucesso e nunca apareceram e nem apareceriam mesmo que se esforçassem.

Mas esta introdução não é uma crítica ao sucesso apenas, é a idéia de que todos somos importantes na dimensão das nossas relações. Mesmo que não existam mídias para fazer a mediação entre nós e um número imenso de pessoas. O artista, o jogador, o cientista, a pessoa de bem e assim por diante não é importante pelo sucesso, mas pela onda que provoca no seu entorno.

Esta entrevista trata disto mesmo. De um marceneiro piauiense, de Campo Maior, que vive aqui no Rio há mais de 40 anos. Na sua juventude participou no campeonato piauiense e jogou com a nata do futebol estadual dos anos 60 entre eles uma grande aquisição do futebol piauiense o nosso querido do futebol cratense Anduiá.

Até hoje quando chega a Campo Maior, é capaz de fazer uma roda de conversa, mesmo que com a participação dos mais velhos, em volta dele. Existe algo mais gratificante do que isso? Esta é a verdadeira e intransferível e imortal qualidade da onda provocada a partir da expressão de uma pessoa. Enquanto esta onda é nossa, o sucesso não nos pertence, pertence à máquina que o vende.

Eu estou aqui com Napoleão Lopes de Araujo, nascido em 1943 na cidade de Campo Maior no Piauí. Aos 24 anos veio embora para o Rio de Janeiro, onde virou marceneiro e nunca mais se afastou do Rio, mas não perde a oportunidade de falar do seu Campo Maior, especialmente do grande sonho da vida dele que era ser jogador de futebol. Napoleão quais eram os principais times do Piauí em sua época?

- O River, Auto Esporte, Flamengo, Fluminense, Piauí e o Artístico que era um time de subúrbio, mas era muito agressivo e a gente às vezes tinha que entrar forte para vencer. Isso era na capital.

Nas cidades do interior quais eram os grandes times?

- Tinha o Parnaíba. Tinha o de Floriano. Picos e de Piripiri o 4 de junho. Campo Maior já era o Caiçara e o Comercial. O Caiçara era o time que eu jogava, era o time do coração. E onde a gente fazia as nossas partidas muito dura lá.

Estes times participavam do campeonato estadual?

- Participavam do campeonato piauiense e nós fomos vice-campeão em 1963 contra o River e a gente perdeu o jogo por falta de competência do juiz. Que foi um juiz que veio do Belém do Pará, que era o Sena Muniz e nos prejudicou muito.

Naquela época quais eram os Estados da vizinhança que eram as principais referências para um jogador de futebol que desejasse crescer no futebol.

- Ora Fortaleza! Fortaleza né? Em Fortaleza inclusive tinha um cara da minha terra que era o Honorato, um cara antigo e que depois por problemas de saúde voltou para Campo Maior e foi treinador do Caiçara. Tinha em São Luiz o Moto Clube e no Pará tinha o Paissandu que eram times fortes e às vezes a gente almejava jogar num time deste. Eu uma vez tive oportunidade de sair de Campo Maior e ir para São Paulo, mas meus pais não deixaram.

E você começou a jogar bola desde menino?
- Desde menino. Eu jogava no aspirante esquentando o sol de Teresina.

Você jogava em qual posição?

- Jogava de volante. Naquela época existia o volante que era o lateral direito. E depois por dificuldade na defesa eu voltei a jogar de central, onde fazia Cabo Dulce, Napoleão, Bia e Costa. Que era a zaga do Caiçara.

Você começou a jogar mais profissional com quantos anos?

- Com dezoito anos.

Como era formado o time da tua época?

- Era Coló, Walter, Bia, Cabo Dulce, Costa, aí eu entrava que era o lateral direito, a linha, jogava no meio de campo, Geraldo Pocuta, e Gerado Pocuta.... e quem mais meu deus? Eu não me lembro agora. A linha era Cabeção, Índio, Fumaça e Ditoso que era meu cunhado.

Você jogou no Caiçara quantos anos?

Desde garoto. Comecei minha trajetória jogando futebol foi no Caiçara. Até vir para o Rio. Aqui no Rio eu tinha vontade de jogar no Vasco. Meu cunhado, por sinal tinha um conhecimento com o treinador do Vasco, ele morava em Benfica, fica perto de São Januário. Ele inclusive andou me chamando para ir até lá, para me apresentar a ele, mas eu me dediquei mais à profissão eu tinha que sustentar minha família. Eu já estava com a idade de 24 anos e o futebol já não estava tão esperançoso. Mas eu estava em forma ainda. Estava bom.
Você jogou com alguns craques do Crato. Que vieram do Crato para jogar no Piauí.

- Do Crato era o Anduiá que era um cara muito bom. Teve o Mormaço, Cabo Dulce, o Índio, Cabeção e o Antonio Quim.

Esse pessoal todo veio do Crato?

- Veio tudo do Ceará. Sobral, Crato, ali, aquela região toda. Eram cobra naquela área ali.

Você me contou uma história que o Anduiá era o terror no jogo e você atrapalhou o Anduiá.

- A gente estava disputando o campeonato piauiense e o Anduiá era o tal, naquela época jogava bem, era novo também, jogava no Auto Esporte. E uma quarta feira jogou com o Comercial, que era da minha terra também, o Comercial perdeu por 2 a 1. E na outra quarta feira quem ia jogar era o Caiçara. E estava o terror. O Anduiá fez o terror na defesa do Comercial e aí o pessoal ficou comentando aquela partida e que a gente ia pegar uma goleada. Que eu não ia agüentar... Eu jogava de central mas não sabiam eles que estava em forma, eu era militar naquela época, estava bem de perna. Nosso time partiu para cima do Auto Esporte e jogamos firme. Eu não me recordo muito bem se nós ganhamos a partida por 1 a zero ou se foi zero a zero. Mas a partida foi dura. Eu não dei espaço para Anduiá foi beiço a beiço. Mas foi muito bom o jogo naquele dia e nosso time ganhou moral e fomos vice-campeão naquele ano.

E você conhecia Anduiá pessoalmente?

- Conhecia! Era meu amigo. Inclusive ele deu uma entrevista numa cadeia de rádio que era a Pioneira e falou que do Caiçara um dos jogadores que ele mais temia lá era exatamente eu, que era o Napoleão que era um cara novo e estava sempre colado e batia mesmo legal...E assim fomos amigos, ele foi para o Caiçara, jogamos juntos.

Qual foi a última vez que você viu o Anduiá?

- A última vez que eu vi Anduiá foi em 68, foi quando eu vim para o Rio. Aí de lá nunca mais eu vi o Anduiá. Eu passei dez anos sem ir para a minha terra e depois passei a ir todos os anos. Agora recente eu estive em Campo Maior, por sinal o futebol está muito fraco, a gente quase não ver mais falar em futebol. Não tive oportunidade de ver os colegas, porque muitos deles já faleceram. E meu cunhado que era um cara muito legal, que era o Ditoso, também faleceu. Eu me ausentei por dez anos e agora voltei. Fiz uma roda de amigos na recente viagem. Embora pouco tempo, eu passei apenas dois dias. Foi muito bom. Muito agradável. Aí nós trocamos idéias. Eu perguntei por todos os amigos. O Luiz Gudu que era um dos dirigentes do Caiçara, sabia da vida de todo mundo e foi me falando da vida de todos eles, os que morreram, os que estavam doente, os que foram embora. Por sinal o cabo Dulce já morreu. E aí as conversas foram em torno dos grande jogos de antigamente. Quando jogava Comercial e Caiçara a rivalidade era terrível e nós ganhamos uma taça da cidade que foi o bicentenária de Campo Maior e nós ganhamos em cima do Comercial, parece que foi 2 a 0 e foi um jogaço. E daí o Caiçara cresceu e ficou conhecido no nordeste como o Leão do Norte.

Normalmente a gente pensa que só gosta da vida se você for o melhor. Mas como para ser o melhor você tinha que estar no Vasco, no Flamengo, no Santos, você nunca poderia ser um personagem nacional, mas você foi um personagem da sua cidade.

- Da minha terra. Todo mundo me conhece.

Como personagem da sua cidade você se dar por satisfeito, por vitorioso?

- Tranquilo. Eu servi a minha terra. Minha pátria.

E isso é tudo?

- Isso é tudo. É a terra dos carnaubais. É minha cidade. Eu amo ela. (e chora .....)

E fica até emocionado quando lembra deste amor e deste carinho que a cidade lhe deu não é?

- É. Realmente é!





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