TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Um dia de papo com Bruno Pedrosa - José do Vale Pinheiro Feitosa

Passamos o dia aqui no Rio em companhia do Bruno Pedrosa. Chegou antecipadamente ao Brasil em relação à abertura de uma grande exposição, chamada Presságios no Museu do Ingá em Niterói. Chegou antecipado, pois trabalha numa escultura para a Universidade Federal Fluminense. A escultura feita em vergalhão de ferro de várias espessuras terá quatro metros de altura e é a expressão do que ele faz no desenho.

Esta é uma característica do Bruno Pedrosa, ele vai da escultura à pintura carregando a mesma temática, as mesmas soluções estéticas. Uma escultura é a terceira dimensão de um desenho/pintura dele. Conviver com o Bruno é uma das coisas mais agradáveis de se fazer, especialmente ontem quando a noite me prometia o desfile das campeãs na Marquês de Sapucaí.

O Bruno Pedrosa é um ser cuja expressão ao vivo e a cores é a força telúrica dos sertões da pecuária nordestina. Quando ouço ou leio amigos torcendo o nariz para a estética de Glauber Rocha, imagino que arte não seja apenas aquela estética de cortes ligeiros e efeitos especiais de Hollywood. A narrativa enxuta e a mensagem já resumida.

É a arte de longas narrativas, milenares (aliás muita gente confunde o milenarismo religioso com a milenar cultura nordestina) que vai das alturas do canto provençal às planícies ressequidas dos nossos sertões. E tem mais, não é o feudo medieval da agricultura, é um semi-feudo do vaqueiro e das distâncias descomunais para a venda da boiada.

Por isso ele diz que apenas embarcou nas artes plásticas quando compreendeu “concretamente e espiritualmente a carreira de artista”. Então eis o que se tem por dizer a respeito do artista: uma luta entre o concreto e o espiritual na calcinada vida da modernidade (pós-modernidade). A luta de Bruno Pedrosa não é diferente de outras lutas ontológicas da vida nordestina: do Antonio Conselheiro, do Padre Cícero, do camponês tentando construir uma vereda entre o chão e o céu.

Bruno Pedrosa por isso mesmo faz arte como se fosse uma missão. Por sinal uma missão para libertar a carne dos impulsos milenares que ali vegetavam como parte inseparável do seu ser. Aí o artista faz o que deve ser feito: “uma necessidade irrenunciável de catarse, um modo de liberar completamente os meus impulsos interiores”.

Mas é preciso dizer que nesta frase não se tome da ligeireza de buscar cores narcísicas neste sertanejo. Ao contrário a trajetória artística (claro que pessoal) de Bruno é sua interioridade em confronto com o exterior e por isso mesmo, é a renúncia ao palco de si mesmo para, através do “conhecimento e auto-conhecimento”, realizar a “comparação contínua consigo próprio e com todas as coisas que capturarão a sua atenção”.

Ao encerrar este nota estou cada vez mais convencido que converso de vez em quando com um religioso da caatinga. Um ser entre a abundância de aconteceres e a escassez de continuidades hibernais. Por isso mesmo é que o Bruno, com seu corpo magro, alto e longas barbas transita na Europa como um cristão primitivo e asceta. Há em Bruno uma semelhança milenar com o judaísmo dos desertos da Galiléia, ou melhor dizendo, das cavernas das encostas do Mar Morto com a aridez e o batismo dos essênios.

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