TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Os equídeos que foram à beira do rio e não beberam água - José do Vale Pinheiro Feitosa

A história é a que seguirá. Havia um povo muito esforçado, morando nas terras baixas por onde corria um rio de águas limpas e puras. As águas do rio eram a riqueza daquele povo: dela vinha a irrigação dos alimentos, a solução da sua cozinha e o cuidado dos produtos trocados com outros povos. 

O povo descobriu que os cavalos que habitavam as estepes poderiam ser utilizados para transportar os produtos trocados à distância, em maior quantidade e sem o sacrifício próprio. Por isso alguns foram destacados para laçar e cuidar dos animais. Logo se deram conta da importância daqueles animais para as pessoas e passaram a exigir cada vez mais recursos para fazer a parte que lhes cabia. 

As pessoas, na sua terra, com o rio de águas limpas e puras virava o dia de sol a sol em seus afazeres, fizesse inverno ou seca, fosse calor ou frio. Os cuidadores dos cavalos nada mais faziam do que subir e descer das estepes. Passaram a morar no único estreito da montanha que ligava a planície e o planalto e pelo controle exigiam cada vez mais parcela dos produtos fruto do trabalho de todos. 

Ficaram tão espertos e egoístas que ao levarem os cavalos a se saciarem nas águas puras e limpas do rio, se desleixavam e os animais urinavam, turvavam as águas com as patas, defecavam na correnteza e o povo sofria a poluição das águas. Os cuidadores tinham naquela atitude o poder de força capaz de fazer o que bem quisessem sem que ninguém nada pudesse em contrariedade. 

Quando o povo começava a se irritar com aquela arrogância, eles corrompiam os mestres do povo para dizerem que o mundo era assim mesmo e que nada se podia contra. Se um mal-estar se generalizasse eles mandavam porta-vozes anunciarem o pior por vir se as coisas não fossem mais como eles queriam que fosse. 

O povo foi perdendo capacidade de plantar e produzir e assim os cavalos foram ficando ociosos. Com os cavalos ociosos os cuidadores perderam parte da boa vida que levavam. Eles rebaixaram algumas exigências, mas não o teor das ameaças e do medo não. 

Naquela situação o povo se lixou para os mestres e porta-vozes e começou a fazer juízo da própria realidade. Até que um dia chamaram uma mulher muito simples, vivia anotando o estoque dos produtos trocados e disseram: “vamos lhe dar uma nova tarefa. Você irá dizer aos cuidadores de cavalos que só poderão beber água no nosso rio se deixarem a água limpa e pura. Como é a natureza da água.” 

A moça foi e deu o recado. Missão cumprida foi para casa descansar. No dia seguinte um porta-voz muito importante anunciou para que todos ouvissem: os cavalos foram levados até a beira do rio e como não têm a liberdade de beber a água do modo que sabem se recusaram a beber a água. 

O porta-voz gritava bem alto para que o povo soubesse que os cuidadores de cavalos estavam se lixando para o recado da moça. A moça ficou uma arara. Sacrificara-se indo até o estreito onde os cuidadores moraram, fora educada e ao invés de ameaça, soube argumentar com as vantagens da água limpa e pura para todos, inclusive para a capacidade de produzir mais e gerar necessidade de utilizarem-se os cavalos. Agora ela via todo este esforço tornado em nada pelo anúncio do porta-voz. 

Só podia ficar uma arara. Além de ter chamado o porta-voz e demonstrado a irritação, chamou o companheiro que fora na viagem para negociar com os cuidadores de cavalos e disse: os cavalos não bebem mais e transportaremos os produtos com alguns cavalos que vivem por aqui mesmo. 

Os cuidadores se desesperaram. Não é bem isso, este porta-voz é um idiota. Não representa as nossas intenções. Nós queremos mais produção, água limpa e pura e levar os produtos. Não queremos outra coisa, foi tudo um mal entendido. 

Ficou tudo bem? Acabou de acontecer. Vamos assistir aos desdobramentos.

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