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quarta-feira, 13 de junho de 2012

A esquerda que não teme dizer o seu nome - livro de Vladimir Safatle


A questão da igualdade e das diferenças no atual estágio da história da humanidade. Isso é importante uma vez que caracterizou o mundo desde o século XIX a idéia de uma igualdade entre os homens a que se chamou socialismo/comunismo com um número razoável de vertentes de como fazer a igualdade.

Antes uma ressalva: as principais perversões do capitalismo (acumulação) e do comunismo (concentração de poder) terminaram de alguma forma no mesmo denominador comum. Quer dizer: o poder de opressão de poucos sobre todos. A diferença básica entre os dois é que o capitalismo é um modelo econômico enquanto o comunismo um modelo essencialmente político.

Em ambos a igualdade se desfaz em contradições e por incrível que pareça a individualidade se encastela numa casamata defensiva ao mundo que lhe cerca. O capitalismo como modelo econômico é visitado pela política constantemente, com freios e contrapesos que evitem o excesso de acumulação que destrói a liberdade e a democracia. As ideias neoliberais do final do século XX e início deste século foram políticas e, portanto, com repercussões na forma de organização e vida dos indivíduos.

Os neoliberais como pensamento ideológico e político ainda estão com algum prazo de validade embora nos leve a crer que já vencido em alguns casos bastante evidentes neste momento. Especialmente por ser incapaz de uma autocrítica que extraia respostas à acumulação em poucos e a pobreza de todos.

Já o pensamento socialista como ideologia e política se debate na própria crise do fim da guerra fria e agora quando as ideias neoliberais entram em crise real, favorece a autocrítica do pensamento de esquerda, tornando-o mais aberto e consoante com a história. O Vladimir Safatle publicou o livro “A esquerda que não teme dizer o seu nome” levando Caetano Velloso a fazer uma crítica na sua coluna dominical no jornal O Globo ao que o Vladimir o respondeu com o seguinte e inovador pensamento sobre o modo de tratar as diferenças num pensamento de esquerda. Leia abaixo: 
   
Caetano critica minha maneira de defender o igualitarismo, vendo nisso um arcaísmo. Para ele, tal igualitarismo não seria muito diferente do tom opressivo da esquerda “indiferente” e “universalista” de sua juventude. Esquerda para quem questões de raça, sexo, nacionalidade e estética eram diversionismo que nos desviariam da revolução.

Longe de mim querer diminuir a importância dos apelos de modernização social embutidos em demandas de reconhecimento da diversidade de hábitos e culturas. Estas são questões maiores, por tocarem diretamente a vida dos indivíduos em sua singularidade. Não se trata de voltar aquém das políticas das diferenças e de defesa das minorias. Trata-se de tentar ir além.

Quando afirmo que devemos ser indiferentes à diferença é por defender que a vida social deve alcançar um estágio no qual a diferença do outro me é indiferente. Ou seja, a diversidade social, com sua plasticidade mutante, deve ser acolhida em uma calma indiferença. Que para alcançar tal estágio devamos passar por processos de abertura da vida social à multiplicidade, como as leis de discriminação positiva. Isso não muda o fato de não querermos uma sociedade onde os sujeitos se atomizem em identidades estanques e defensivas. Queremos uma política pós-identitária, radicalmente aberta à alteridade.

Um exemplo: discute-se hoje o direito (a meu ver, indiscutível) de homossexuais se casarem. Mas por que não ir além e afirmar que o ordenamento jurídico deve ser indiferente ao problema do casamento?

“Indiferença” significa, aqui, não querer legislar sobre as diferenças. Ou seja, por que não simplesmente abolir as leis que procuram legislar sobre a forma do casamento e das famílias, permitindo que os arranjos afetivos singulares entre sujeitos autônomos sejam reconhecidos? Não creio que isso seja arcaísmo, mas o verdadeiro universalismo.”

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