TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Dia do Começados - José do Vale Pinheiro Feitosa


“Olha, a melhor coisa do mundo hoje é a paz. É a paz, é a união. Porque a paz é saúde e a união é a grande coisa boa no mundo. E hoje em dia é pouco o que a gente vive: é a paz. Mas o quê eu gosto mais é a paz e união.”

“O quê é que eu acho da vida é que nós mora aqui em cima desse chão, mas aqui não tem nada nosso. O pessoal briga por terra, por isso por aquilo outro, mas nenhum tem terra. Ele (Deus) deixou tudo para o homem viver. Para o homem viver e não mendigar o pão do outro. Tudo o quanto é feito na terra é da terra. A fonte mais forte que existe no mundo é a água. Nosso povo faz e acontece, faz tudo, mas tem que ter a água. Nós passa sem o feijão um dia dois, nossa passa sem carne três ou quatro, cinco dias, nós passa sem essas coisas, mas sem a água nós não passa.”   
  
Afinal de conta todos nós vamos morrer. Mesmo quem está nascendo hoje, que tem toda a esperança da vida, de viver uma vida longa vai morrer também e quando a gente morre o quê que acontece? 
  
“O quê é que acontece é que nós vamos ficar no limbo do esquecimento. Vamos ficar no limbo do esquecimento. Eu posso morrer hoje minha família chora, cai por aqui, por acolá, faz tudo em conta, quando é com os tempos estão cantando, estão dançando, tão tudo, não se lembrou, acabou-se, eu estou no limbo do esquecimento. Aquilo que eu pratiquei na terra aquilo esqueceu-se, aquilo eu morri mas não vou me lembrando daquilo não.” (Entrevista com Manoel Galdino, camponês, barbeiro e pescador de jangada nascido no lugarejo de Siupé, morador de Paracuru e que tinha 87 anos na data da entrevista para o Programa Paracuru Minha Terra Minha Gente).

Duas palavras têm força de presença universal na nossa cultura: finados e defunto. Ambas funcionam na dinâmica do coração como um eclipse na luz da vida. Nós os nordestinos temos por hábito ao falar de alguém que já morreu apostando antes de seu nome a palavra “finado”. A palavra defunto é usada com mais raridade, pois tenho a impressão que suas sombras são muito mais amplas.

Hoje é o dia de finados, daqueles que já se findaram. Viveram e por isso conquistaram o fim. Quem nunca findou encontra-se num impreciso nada que admitimos existir como forma de se contrapor com a continuidade do tempo, pois no tempo continuamente brota existência que sabemos autoalimentada do que já existe. Em outras palavras: nada vem do nada.

A palavra defunto por mais que escureça meu coração tem uma raiz latina muito interessante, assim como seu Manoel Galdino soube expressar. A raiz da palavra latina para defunto tem o significado de aquele que cumpriu a vida, mas pode ser também, a junção da partícula negativa “de” com o verbo que em latim significa funcionar.

Por isso, embora não seja um cultor do dia de finados, bem sei que ele é a liberdade do limbo do esquecimento. E com certeza é o repatriamento dos nossos nesta continuidade do tempo. Maria do Carmo, a segunda esposa de José do Vale Arraes Feitosa acaba de ligar-me dos Currais, a terra em que um dia ele plantou pés de acerolas.

Naquele exato momento Paulo César o mais novo do primeiro casamento e Diana Maria a mais nova do segundo casamento, estavam na cidade em alguma padaria comprando pão e leite para a noite em família. E assim, todos nós fugimos do limbo do esquecimento.  
  

Nenhum comentário: