TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Arisco



As cidades que se espreguiçam nas bordas da Chapada do Araripe vivem, literalmente, de sombra e água fresca. Os cratenses carregam consigo aquela fatia de preguiça e  de irreverência:  agimos  ainda  como caçadores-coletores,  igualzinho aos nossos avós cariris.  Somos mais afeitos à rede e à preguiçosa do que à enxada e ao moinho. É que trabalhar às vezes é até bom, mas dá uma canseira danada. E, ademais, para que essa  correria toda, se os frutos já pendem das árvores; os passarinhos ligam suas radiolas nos galhos; as fontes nos convidam para seus sonhos molhados e o verde da serra nos ensina, a todo momento, suas lições  de esperança ? Pernas para o ar que ninguém é de ferro !  Terminamos por ser, inexoravelmente,  um pouco a extensão da natureza que nos rodeia. Carregamos um sorriso mais úmido, uma postura mais refrescante, uma leveza de brisa, um líquido fluxo de levadas e cascatas. A placidez do mundo à nossa volta reflete-se no nosso espírito. A vida que palpita à nossa frente nos basta e marca, de alguma maneira, o ritmo das nossas sístoles e diástoles.
                                   A serra nos dá lições de perigo com seus penhascos e suas escarpas. A paisagem, vista da montanha, professa-nos aulas de pequenez. Somos um mero ponto diante da imensidão que se estende desafiadora no horizonte sem fim. Do alto, os homens são pequenos e as coisas minúsculas e salta-nos aos olhos a perfeita escala da nossa perturbadora  insignificância . O ciclo incessante das estações brota no nosso quintal e imanta-nos com sua magia: dias somos outono, noutros veraneamos, e , quase que continuamente , primaveramos , no aguardo dos rigores não tão rigorosos  dos nossos invernos exteriores e interiores.
                                   A vida , do outro lado da montanha, substituiu o concreto pelo verde; o sonho pela gula; as espigas pelos espigões; as flores pelo E.V.A; os frutos pelo isopor. Dizem-se todos fartos e felizes , protegidos pelos  seus muros de T.N.T. . Fartem-se ! A luz incandescente do lago artificial lhes ofusca. A nós , basta-nos o milagre nosso de cada dia : a cascata já empina as turvas águas do Batateiras e os pequis estão florando ali no Arisco e,  logo mais , nas encostas da Chapada. Vejam !

J.  Flávio Vieira

Um comentário:

Esdras Paiva disse...

"Do alto, os homens são pequenos e as coisas minúsculas e salta-nos aos olhos a perfeita escala da nossa perturbadora insignificância"

Perfeito.

Esdras Paiva