TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LAMPIÃO FEZ PROPAGANDA DA ASPIRINA - José do Vale Pinheiro Feitosa

Uma das gerações mais ricas culturalmente do Cariri foi aquela que envolveu entre outros o Rosemberg Cariry, o Luiz Carlos Salatiel, Zé Flávio, o Jackson Bantim, apenas para localizar esta geração pois a lista de nomes de igual peso não é pequena. Inclusive o Ronaldo Brito e o artista Plástico Bruno Pedrosa, um pouco antes, também se incluem nesta riqueza.

Riqueza em quê? No soerguimento e na releitura quase mítica (próximo ao místico) da cultura do interior nordestino. Aquele com base econômica na pecuária, na agricultura de sobrevivência e no algodão (o “ouro branco”). A cultura que arrastava consigo um catolicismo quase primitivo junto com elementos indígenas. Aliás a proliferação de “pastores neo e pentecostais” não é outra coisa que não a mesma base não institucional da religião popular, embora muito vista como mera exploração como era visto o catolicismo popular nordestino.

Valores icônicos dessa geração: a família patriarcal e da fazenda sertaneja, os poetas populares (Patativa, Zé de Matos), as danças de raiz (reizados, coco etc.), beatos e a dinâmica religiosa acumulada em Juazeiro, o cangaço e a música popular nordestina. Isso incluindo mitos, músicas e textos que pessoas com o nível de educação desta geração tão bem soube levantar. Incluindo aí a história regional do interior nordestino (não praiano e não cana de açúcar).

Mas eles tiveram uma grande vantagem comparativamente aos tradicionalistas que realizaram grandes pesquisas sobre o passado do interior nordestino. Aqueles seguiam a esteira ideológica dos Instituto de Geografia e História, em seu tradicionalismo se tornaram, assim, conversadores com tendência ao refúgio no passado. Já a geração que cito deu novo significado à história interiorana nos termos da modernidade. Da transformação de natureza crítica, significando refazer um campo mítico que substancie o deserto pragmático burguês com sua individualidade consumista.

O Luiz Carlos Maciel mantém um blog (ou mantinha acho que chamava-se Cariri Encantado) como evidência do que digo. De vez em quando ele e o Carlos Rafael dão significado territorial ao “movimento” desta geração (esqueci o nome exato). A filmografia do Rosemberg é uma prova eloquente do que digo. Os livros do Zé Flávio. Os espetáculos de teatro anunciados pelos blogs representam este momentum da nossa cultura.

Agora ao título não é? Isso encontrei no livro “Benjamin Abrahão Entre Anjos e Cangaceiros” de Frederico Pernambucano de Mello. As filmagens feitas por Benjamim não teriam sido financiadas apenas pela Aba Film, mas pelo esforço do governo Nazista Alemão em sua aproximação com a América Latina. E esse esforço traduzido pela empresa alemã Bayern fabricante da famosa Aspirina.
Lembram do filme Cinema, Aspirina e Urubus? Acho que de cineastas pernambucanos. Ele mostrava exatamente o esforço da Bayern em divulgar seu principal produto com uma camionete nos anos 30 pelas estradas precárias do sertão, levando filmes e um projetor de cinema que ia de pequena em pequena cidade carregando nela um pequeno gerador movido pela camionete.

De modo que a proeza de Benjamin Abrahão ao filmar e fotografar Lampião teria sido financiada, também, pela Bayern. Inclusive todo o equipamento cinematográfico e fotográfico era da Zeiss alemã. As provas de Frederico são imagens de Lampião apontando para um cartaz de propaganda da Aspirina de falando palavras e outra imagem dele distribuindo sachês de aspirina para o seu bando.

Não quero com isso apenas dizer que a pesquisa histórica do interior nordestino, empreendida pelos tradicionalista, ressaltando grandes figuras patriarcais e da igreja católica, não tenham grande importância para nosso autoconhecimento. O que pretendo apenas é apresentar que mesmo Lampião já não era aquele cangaceiro medieval que tantos pintam. Assim como a geração que soube dialogar com a história entre o passado e o presente.

Mesmo quando o diálogo desta geração, numa ou noutra obra, por vezes se congele de modo não dialético, a verdade é que esta geração deu movimento e criou uma ponte icônica que nos valoriza frente ao “estrangeiro”. Aliás, lembro muito bem do cronista e poeta Airton Monte espinafrando na sua coluna em jornal de Fortaleza o tratamento “mítico” dado a Patativa do Assaré (conheci muito bem a vaidade de Airton e isso pode ter sido a manifestação de algum ciúme com Rosemberg que passou a influir na Capital). Em que pese que a poesia é um coletivo além de Patativa, o que se passava com Airton era um certo mal-estar com os valores do sertão em relação ao suposto universalismo do litoral.

Ou seja, a velha luta entre Franco Rabelo (Litoral) e o Padre Cícero (Sertão). O que o pessoal da cultura litorânea nunca compreendeu é que o lugar no mundo atual é aquele da recriação do nosso próprio mundo. Por isso meu abraço a esta geração do mundo caririense. 

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