Quando os sinais de incêndio se manifestam todos se apavoram.
Sabem do poder destrutivo do fogo. Mesmo que este incêndio aconteça na palha
seca da cana, imagina-se que se alastre muito além do desejado e engolfe o
verde da vida.
Mas a verdade é que onde houver material comburente acumulado
os incêndios se manifestam como uma necessidade. Assim como acontece nas
revoltas e revoluções que marcam continuamente a história humana.
A velha história do rei nu. Aquele autoritário que queria a
melhor roupa e que foi enganado pelo alfaiate e ninguém, entre seus pares,
conseguiu ver a nudez do rei, só quando uma criança gritou na multidão. Assim
as revoltas e revoluções acontecem.
Mas não é no acaso do tempo. É onde a substância comburente
do sofrimento humano se acumula e quando ela ou vislumbra uma melhor
possibilidade ou já não suporta mais a vida que lhe dão como eterna até a
morte.
A Baixada Fluminense, assim como a minha querida Batateira
aí no Crato e tantos outros bairros de Juazeiro acumulam história comburente.
As páginas policiais e a notícia dramática dos crimes mostram contínuos focos
de incêndio. E não adianta esconder seu rosto por indignação, aquele mesmo que
você despreza por bandido, perfurado pelas balas da polícia, tem por trás uma
mãe, um pai, um filho, um neto de carne e osso. E a tragédia não é apenas o
corpo mas todos os outros que fazem parte desse estoque comburente.
Compreendam que não é por acaso que o suspeito de ter
lançado o rojão que matou o cinegrafista da rede Bandeirantes, seja jovem e
more na Baixada Fluminense. E olhe que este suspeito, por mais adjetivos negativos
lhes apliquem, é um estágio superior na violência. Já vai além do que as
violências de gangues e torcidas organizadas. Ele brigava pelo sofrimento
permanente do povo da Baixada se transportando entre o centro do Rio onde as
oportunidades de trabalho estão e suas casas, sem ar condicionado, sem água e
faltando luz.
Sabem do recente apagão? O órgão controlador ligou para a
companhia de eletricidade aqui do Rio de Janeiro e disse: corta aí um milhão de
ligações senão o apagão será nacional. Qual o critério de corte? Os bairros
populares, o povão da Baixada Fluminense incluído.
Os principais reservatórios que alimentam a região
metropolitana ficam na beira da serra do Mar, em Caxias, Nova Iguaçu e outros
municípios onde exatamente acontece racionamento de água neste verão atípico. No
resto as bicas jorram.
A radicalidade e a violência das manifestações dizem muito
do acúmulo social de sofrimentos. Pode ser usado para medidas autoritárias,
para ampliar a democracia, para atrasar e para avançar. Não pode é ser uma mera
façanha moralista e alienada do mundo real em que estamos.
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