O parque Nacional Indígena do Xingu foi criado em 1961 pelo
Presidente Jânio Quadros. Tem 27 mil quilômetros quadrados, na área de
influência dos rios formadores da bacia do Xingu, fica na região norte de Mato
Grosso numa zona de transição entre o Planalto Central e a Amazônia. O parque
foi o resultado da luta dos irmãos Villas Boas (Orlando e Claudio) que viajavam
para a região desde os anos 40. Quem redigiu o projeto foi Darcy Ribeiro, então
funcionário do Serviço de Proteção ao Índio. E recebeu o apoio de figuras de
uma grandeza humana que são ricas pela narrativa e um espelho para estimular a
juventude a ser ousada e humana muito além desse individualismo consumista.
Falo do Marechal Rondon e do Noel Nutels.
O Marechal Rondon é herói na acepção da palavra. Um herói da
transformação e ocupação humana e econômica do vastíssimo território do oeste
brasileiro. Até então o Brasil era tão somente uma tripa litorânea que ia de
Belém a Porto Alegre (sei não são bem à beira mar). Existe uma vastíssima
literatura sobre Rondon. Noel Nutels, o chamado índio Cor de Rosa (Orígenes
Lessa escreveu um livro com este nome evocando Noel.)
Quero dizer que tenho histórias fantásticas do Noel Nutels.
Trabalhei num setor do Ministério da Saúde junto com a equipe do Noel. Mas vou
apresentar breves traços de sua história: nasceu na Ucrânia, membro de uma
família judia que migrou para Recife. Lá ele completa a infância, forma-se em
medicina e vai morar em São Paulo e é o médico da primeira expedição
Roncador-Xingu em 1943. Enfim: aproveita a expansão do Correio Nacional
(serviço da aeronáutica para transporte de postagens) o dirige para as selvas,
onde em clareiras era deixado com uma equipe e passava meses cuidando dos
índios que eram dizimados por doenças de brancos.
Terra quando pela primeira vez examinou as fotografias daquela, agora, pequena bola azul,
tão solitária no infinito e o poeta saudoso do seu exílio então atrás das grades de uma prisão
O que restou do povo Juruna (no século XIX eram dois mil) vive
em sete aldeias, próximas à Br-80 no baixo Xingu. Em 2001 o que haviam sido se
reduzira a 241 pessoas mas isso já era uma recuperação demográfica (no final da
década de 60 eles eram 50 membros, a maioria jovens). A língua deles pertence
ao tronco tupi e existe uma denominação que a chama de yudjá (significa dono do
rio) mas é dada por outros povos. A palavra juruna é um termo nheengatu dada ao
povo há vários séculos, que se traduz como “boca preta” que era uma tatuagem
perene na face. Essa tatuagem foi registrada há 150 anos, mas deixou de ser
usada e o povo juruna desconhece que existiu um dia.
Antes de seguir adiante: o nheengatu foi a segunda língua
geral criada no Brasil e era mais amazônica, a outra foi a paulista. Quando os
europeus penetraram o interior e foram criando uma economia sedentária, foi-se
criando a partir do tupi-guarani uma língua que pelo isolamento em relação à
Europa foi tomando corpo e se tornando a língua nacional (como vivos foram
duas). O Marquês de Pombal recriando as estruturas coloniais obrigou o ensino
do português. Mas era pelas línguas gerais que as diversas etnias se
comunicavam.
No anos 70 um índio da etnia Xavante se denominando Mário
Juruna, assim como o menino que disse que o rei estava nu, expôs as ditadura e
seus líderes. E foi de uma simplicidade fantástica. Com um gravador. Dos primeiros
gravadores portáteis e à pilha. Juruna desmentiu todas as falsidades dos
membros do governo apenas usando como instrumento o gravador.
Ele ia a Brasília para reivindicar coisas para o seu povo. Chegava
ao gabinete e gravava a conversa com a autoridade. Então falava com os
repórteres sobre o que haviam prometido e dito. Resultado o gravador do Juruna
passou a ser o desmascaramento da mentira oficial. Os jornalista para provocarem, perguntavam a
razão do gravador e ele respondia: “Para
registrar tudo o que o homem branco diz.” A repercussão foi tal que o
jornal O Pasquim chegou a entrevista-lo. E foi uma boa entrevista ele era muito
inteligente, com respostas rápidas e de muito bom humor.
Um Índio composição de Caetano Veloso - gravada por Milton Nascimento
Em próximas postagens pretendo falar mais do que ouvi sobre
Noel Nutels e relatar um dia inteiro em que passeie com Juruna pelo Rio, com
direito a almoço aqui em casa. Mas antes vou deixar mais uma frase do Juruna
para adoçar a amargura desses deslumbrados com o Agronegócio.
“ANTES DE TUDO, O ÍNDIO PRECISA DE TERRAS. ÍNDIO É O DONO DA TERRA. ENTÃO,
O BRANCO DEVE RESPEITAR A TERRA DO ÍNDIO”.
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