J. FLÁVIO VIEIRA
Oremildo Jurema foi eleito com uma
votação estupenda em Matozinho. Coisa de deixar o partido contrário de crista
caída, mas para baixo que escada magirus de colher maxixe. Sinderval Bandeira
ou Bandalheira( como era conhecido por todos) alternava-se no poder municipal,
junto com apaniguados, há mais de 20 anos. O tempo , como um cupim inexorável,
lhe foi roendo o brilho e a fama; o poder lhe foi proporcionando mais
insatisfeitos que correligionários. A ascensão de Oremildo , até então um nome totalmente
desconhecido, apareceu naturalmente, talvez por falta de maiores opções.
Montara uma pequena padaria na vila chamada de “Pubas & Manzapes” ,
progredira com alguma rapidez para os padrões locais e terminara por se
candidatar sem muitas pretensões. Percebeu, sem ser necessário folhear nenhum
compêndio de psicologia, que Matozinho vivia uma terrível crise de autoestima. A
vila fora até anos atrás uma referência em toda região, mas nos últimos quinze
anos, vinha perdendo terreno continuamente para Bertioga. Antigo distrito de
Matozinho , a localidade tomara um impulso tremendo após o pretenso milagre
acontecido, alguns anos atrás, quando se encontrou a milagrosa imagem de N.S.
dos Desafogados ,nas enchentes do Rio Paranaporã. A partir daí, foi um não
parar de esticar, de crescer tanto populacionalmente como economicamente, com o
advento das seguidas romarias a Bertioga.
Oremildo
montou-se neste banzo da população pelos tempos gloriosos e prometeu o retorno
do passado e dos bons momentos da Vila de Matozinho. Não lhe foi difícil tocar
a campanha de reabilitação, uma vez que os matozenses associavam a derrocada da
vila às sucessivas e desastrosas administrações de Sinderval. Abertas as urnas,
a lavagem se mostrou histórica: Oremildo viu-se eleito com mais de setenta por
cento dos votos válidos. Votação expressiva, expectativas multiplicadas. A
cobrança das promessas feitas em campanha não demoraram a se concretizar. O
grande problema é que Oremildo mal tinha condições de administrar a “Pubas
& Manzapes” e , achando pouco, viu-se ainda cercado de secretários fracos
como caldo de andu. Passada a metade do mandato, não se tinha uma obra de
mínima importância para apresentar. A vila regredia a olhos vistos e já parecia
apenas um mero dormitório de Bertioga. A língua viperina do povo matozense não
parava de tagarelar: essa era a sua única defesa : pinicar o oratório do
prefeito.
Oremildo
pressionado, reagiu como se intuitivamente tivesse incorporado Gobbels: com
propaganda. Criou uma grande rede de puxa-sacos e passou a espalhar , por todo
canto, histórias da carochinha, numa espécie de pabulagem pública , um
deliberado projeto de cagamento de goma. Espalhava que conseguira, em Brasília,
verba para construir um estádio, uma quadra coberta, um Centro de Convenções . Apresentava
ainda a planta de um Elevador do Açude do Sabugo até o topo da Serra da Jurumenha
e a verba, dizia, já estava garantida.
Pegava ainda carona nas obras desenvolvidas na região pelos governos estadual e
federal, sem lhes ter dado, em
contrapartida, um pau pra bater num
gato. Os matozenses , de início, até se abestalharam com as novas promessas,
mas rápido, como não dá para enganar todos durante todo tempo, descobriram, fácil,
a manobra. Faltava gaze no posto de saúde, merenda escolar para garotada,
professores e funcionários viviam com salário atrasado: a propaganda desvanecia-se frente à dura
realidade cotidiana. Todos se perguntavam onde era aquela ilha da fantasia que
Oremildo administrava pois desejavam se mudar para lá.
Os
matozenses passaram a tomar a propaganda descabida dos apaniguados de Oremildo,
como mangofa. A irreverência é a última defesa às mãos dos desafortunados.
Semana passada, um dos maiores críticos do prefeito, o velho Mané Vieira,
chegou na praça da matriz e, estranhamente, passou a criticar todos aqueles que
viviam falando do prefeito, um homem bom, cumpridor de promessas e grande
administrador. Os amigos das rodinhas de praça estranharam a mudança súbita de
Mané. Estaria tresvariando? Estava ficando gagá e conversando arisias ?
Uma das maiores promessas de Oremildo na
campanha tinha sido a construção de uma estrada ligando Serrinha dos Nicodemos
a Matozinho. A obra fazia-se naturalmente difícil pois tinha que varar toda a Serra da Jurumenha, subindo e
descendo, pois Serrinha ficava justamente do outro lado da montanha. Na noite
anterior, uma chuva grossa tinha caído na vila e fizera rolar uma grande pedra
do topo da serra, ladeira abaixo, e
abrira uma grande clareira na cabeleira da serra, perfeitamente perceptível de
Matozinho. Quando se discutia a possível demência do velho Mané Vieira, ele se
mostrou mais lúcido do que sempre:
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Povo falador esse de Matozinho ! Vôte ! Oremildo promete, Oremildo cumpre !
E, mostrando a clareira no alto da serra:
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Ó ali onde já vem apontando a estrada de Serrinha ! Lavem a boca quando forem
falar o nome de Oremildo, seus fofoqueiros miseráveis !
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