J. Flávio Vieira
“Presa nos elos de uma
só cadeia,
A multidão faminta
cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira,
outro enlouquece,
Outro, que martírios
embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão
manda a manobra,
E após fitando o céu que
se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os
densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o
chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
Castro Alves ( “Navio Negreiro”)
O lenga –lenga parece cantiga de
grilo : não tem fim. Desde os anos 90 roda, no Congresso, Projeto de Emenda Constitucional que busca
reduzir a Maioridade Penal no Brasil. Em meio ao tiroteio interminável da nossa
violência urbana, com frequentes casos de menores envolvidos em delitos, a
grande Mídia – reflexo das classes mais privilegiadas do país que lhe patrocina—tem
levado a maior parte da população ( mais de 80%) a crer nesta medida como fundamental para a
atenuação da nossa violência urbana. Recentemente a Comissão de Constituição e
Justiça apreciou a PEC 171/93, apresentada pela Frente Parlamentar de Segurança
Pública, vulgarmente conhecida como Bancada da Bala, e a proposta foi aprovada por
mais de 70% dos votos. Deve agora seguir os trâmites legais e ir, depois, à votação na Câmara e no Senado.
Nado
contra a maré mais uma vez. Acredito que
a Emenda, se aprovada, não só não atenuará o problema, como tende a piorá-lo.
Continuaremos matando algumas formigas
na boca do formigueiro, imaginando que assim solucionaremos o problema da saúva
no milharal. E as razões que me levam a pensar assim são transparentes.
Primeiro , as estatísticas mostram que apenas uma fatia mínima dos jovens ,
algo em torno de 0,5%, comete delitos. Estes, na sua maioria , são pobres, pouco
alfabetizados, negros e residem em áreas em que o Estado sempre se mostrou
profundamente omisso. Eles são , na verdade, vítimas do sistema perverso onde
estão metidos e não agentes da violência das ruas. Punir apenas, isenta totalmente o Estado da
sua culpabilidade e estaremos, mais uma vez, mexendo apenas nos efeitos e colocando no baú
as causas. Além de tudo, se resolvesse
cadeia para criança, o problema estaria , de longe, resolvido. Temos uma Pena
de Morte tácita nas ruas para os menores infratores. Nos últimos vinte anos, os homicídios de crianças e adolescentes
cresceram 350%, só em 2010, foram
assassinadas 24 crianças e adolescentes a cada dia.
Aplicada
a nova Maioridade Penal, os presídios, já perversamente abarrotados, se encherão ,
agora, de crianças, sujeitas a todo tipo de agressão. Já possuímos a quarta
maior população carcerária do mundo. Delinquentes
menores se matricularão, automaticamente, em verdadeiras universidades do crime
. Os presídios brasileiros têm uma vergonhosa taxa de reincidência de 70% e a
do sistema socioeducativo aplicado, com toda falha desse mundo, não chega a
reincidência a 20%. Aprovada a PEC, feriremos , de morte, o Estatuto da Criança
e do Adolescente e mais : a Emenda parece de todo inconstitucional. Além de
tudo, para nós que nos preocupamos tanto com a imagem do país no exterior, estaremos
agredindo acordos internacionais importantes como a Convenção sobre os Direitos da Criança e do
Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional
dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil. Por outro lado, a
elite brasileira que tanto se preocupa em copiar modelos estrangeiros precisa
saber que das 57 Legislações internacionais existentes sobre Maioridade Penal,
apenas 17 preconizam maioridade abaixo de 18 anos, ou seja a minoria de
tão-somente 29%. Os índices de delitos entre jovens no Brasil de 10%, por outro
lado, estão abaixo da média mundial que é
de 11,6%.
A
aprovação da PEC 171/93, assim, não é só inócua, como perigosa e irresponsável.
A chave para minorar a delinquência juvenil no país está na Educação e não na
punibilidade. O Estado precisa olhar
para todos e não tratar alguns como filhinhos do papai e os outros como
enteados. É preciso , sim, continuar na luta contra a desigualdade social. As
vozes que hoje se levantam a favor da diminuição
da Maioridade Penal são a reencarnação
daquelas mesmas que um dia se puseram contra o fim da Escravidão e a favor do genocídio de Canudos e do
bombardeio do Caldeirão. Elas continuam
hasteando os mastros dos seus Navios Negreiros e reerguendo seus Pelourinhos
pelas praças deste país.
Crato, 02 de Abril de 2015
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