CARTA A UM JOVEM
BRASILEIRO
(Rogério Cezar de Cerqueira Leite)
Eu gostaria de escrever-lhe uma carta
sobre poesia, embora sem o talento do alemão Rainer Maria Rilke, sobre a
importância da literatura, das artes, do conhecimento; enfim, sobre tudo o que
enriquece a humanidade. Mas eis que nossos líderes agridem
tudo que alicerça a cultura de um povo, tal seja a filosofia, a sociologia, a
história.
Eu queria escrever-lhe sobre a dádiva
da natureza ao brasileiro, sobre as nossas matas, os nossos rios, a nossa fauna
e a nossa rica e bela biodiversidade. Pois bem, nossos dirigentes
não apenas corrompem as providências para amenizar as inexoráveis e trágicas
consequências do aquecimento global como também incentivam o desmatamento e a
poluição da atmosfera.
Eu queria falar-lhe, jovem
brasileiro, da dignidade do trabalho e da necessidade de conhecimento para
enfrentar a dinâmica implacável do progresso tecnológico. Entretanto, esse
novo governo asfixia nossas universidades com cortes de verbas e obtusa
perseguição.
Eu queria falar-lhe de ciência e
tecnologia, da consequente industrialização do nosso país e dos benefícios
sociais e econômicos que adviriam de investimentos em pesquisas. Mas esses nossos
governantes continuam a desindustrialização começada nos governos Collor e FHC,
cortando recursos para ciência, tecnologia e formação pós-graduada, sem o que
não haverá industrialização possível já em futuro próximo.
Eu queria escrever-lhe sobre o valor
da cidadania, da liberdade, sobre a decência do homem de bem. Porém, “esses
arremedos de déspotas” que presidem sobre esta nação liberam a posse de armas,
cooptam e protegem milicianos, homenageiam extorsionários e torturadores,
estimulam a violência.
Eu gostaria de poder falar-lhe sobre
nosso país, sobre nossa história, nossa arte, nossos escritores, nossa música,
nossas conquistas. Mas não posso. Nosso país se curva aos interesses
imperialistas dos EUA.
Eu queria falar-lhe do ideal de
justiça, da solidariedade. Contudo, só vejo ostentação, narcisismo.
JUÍZES VIVENDO EM PALÁCIOS
"NABABESCOS", SERVIDOS A LAGOSTAS, PAGAS COM O SUOR DO TRABALHADOR
BRASILEIRO. O QUE UM JUIZ DO SUPREMO COME DE
LAGOSTA E BEBE DE VINHO IMPORTADO, DIARIAMENTE EM UMA ÚNICA REFEIÇÃO, EQUIVALE
AO QUE COME POR MES UMA FAMÍLIA QUE VIVE COM SALÁRIO-MÍNIMO.
E, ao contrário de suas excelências, o cidadão brasileiro paga por suas refeições. Eu pensava em conversarmos sobre seu futuro, seus sonhos. E olho para nossos congressistas, supostos guardiões da cidadania e de seu porvir. E só ostentam escandalosa cupidez.
Confesso que eu queria inculcar-lhe,
jovem brasileiro, uma certa compulsão por justiça social, um certo interesse
pelo próximo e pelo distante, um pouco de civilidade enfim. Mas seria um
esforço perdido, tendo em vista a dominação intelectual e ideológica desse
governo por um farsante, obsceno e fascista, uma espécie de Rasputin de bordel.
Eu gostaria de encontrar alguma
palavra de alento para apaziguá-lo. Eu não queria ser cínico ou parecer
desalentado, derrotado. Seria talvez bom se eu pudesse fingir, mentir um
pouco. Mas não. Só posso pedir-lhe que me perdoe, e a todos aqueles das
gerações que precederam a sua, pelo que lhe subtraíram e talvez também pelo que
lhe ensinaram.
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